Até sempre!
sábado, 8 de agosto de 2009
Raul Solnado, um (grande) dos nossos
Até sempre!
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segunda-feira, 15 de junho de 2009
Andebol - Campeões Nacionais de Juniores
Aqui fica o histórico dos referidos títulos, que faz do Belenenses um dos grandes desta modalidade:
1966/67
1967/68
1968/69
1971/72
2004/05
2008/09
De recordar que os títulos no final da década de 60 (e início dos anos 70) têm uma relação muito estreita com a sequência de títulos que viria a ser conquistada nos anos seguintes... em Séniores.
É uma modalidade onde vale a pena apostar na formação (vs. importação) e o Belenenses continua a mostrar a força da sua escola!
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terça-feira, 9 de junho de 2009
Recordando Manuel Ramos, a alma Belenense do Porto
É comum cada clube desportivo perpetuar no seu panteão aqueles que foram grandes atletas, grandes desportistas, ou grandes dirigentes. Mas, embora a condição de Manuel Ramos fosse bem mais que a de um "simples" adepto, é nessa categoria que deve ser lembrado, como exemplo maior de uma dedicação extrema, desinteressada e incondicional.
Portuense de gema e Belenense de longa data, Manuel Ramos trabalhou incansavelmente em prol do Clube e do fortalecimento da sua presença no Norte do País, chegando a arregimentar adeptos do Minho e de Trás-os-Montes em torno da "Tertúlia Belenense", sediada na Invicta - da qual foi um dos principais mentores (embora reconhecido pelos restantes como o verdadeiro mentor - afinal de contas foi o seu Secretário-Geral).
Da sua acção e dedicação, a "Tertúlia" é o melhor exemplo. Fundada numa altura em que o Belenenses estava empenhado na construção do Estádio do Restelo, esteve sempre na "linha da frente" na divulgação da obra e consequente angariação de fundos.
Manuel Ramos fez questão de se deslocar do Porto e estar presente em muitas (quase todas) das efemérides relacionadas com o novo Estádio. Naturalmente, para o dia da inauguração - há pouco mais de 50 anos - deslocou-se também um grandioso contingente nortenho, talvez o maior de todos de fora de Lisboa.
Em simultâneo, Manuel Ramos colaborou intensamente com o jornal do Clube, sendo responsável por uma rubrica específica dedicada aos "Belenenses no Porto".
Os tempos de Manuel Ramos chegaram a ser aqueles em que não era descabido considerar o Belenenses como o clube lisboeta (ou até clube não nortenho) com maior número de adeptos no Norte!
Embora a "Tertúlia" se viesse a perder, Manuel Ramos nunca cessou a sua inigualável paixão ao Clube. Ainda em 2004, no âmbito da paragem portuense da "volta" pelas filiais, Manuel Ramos estava lá, recebendo o justo carinho do Clube do seu coração.
Reproduzimos em seguida alguns textos e imagens para recordação desta nossa grande figura.
Começamos por uma "auto-entrevista" do próprio Manuel Ramos, publicada no Jornal "Os Belenenses" em Janeiro de 1955, onde este explica a sua filiação clubística:
"- Se sou Belenenses há muito? Desde que entrei para o Liceu de Alexandre Herculano, tinha então nove anos. Fui lá encontrar muitos simpatizantes do Belenenses – e quis a sorte que um deles (talvez o maior…) ficasse a ser meu companheiro de carteira.
Refiro-me ao Dr. João de Sobral Mendes, ainda hoje um grande amigo do Clube.
O Belenenses era o motivo preferido das nossas conversas diárias. Foi a ele que eu primeiro ouvi contar as proezas dos nossos grandes jogadores dessa época: o “Pepe”, o Augusto Silva, o César de Matos, o Joaquim Almeida, os Ramos, etc., etc.
Lembro-me muito bem de que (já então!), em vésperas de jogos internacionais ou entre selecções regionais, nos entretínhamos (até às vezes em plena aula!) a formar as “linhas” com muitos jogadores do Belenenses… Para nós, não havia melhores! E os cálculos que fazíamos quanto ao desfecho dos encontros do nosso Clube, nos campeonatos em curso, levavam-nos invariavelmente à posse do título. Era tão fácil – e tão agradável!...
(…)
- O que mais quero para o Clube? Sem dúvida nenhuma, o novo Estádio do Restelo. Mais do que quaisquer vitórias – mesmo em campeonatos…
No dia em que tivermos construído o estádio – teremos alcançado um triunfo muito maior. Esse será o dia mais feliz da minha vida!"
Continuamos com alguns excertos da série publicada sobre o Cinquentenário do Estádio do Restelo, onde se constata a incansável acção de Manuel Ramos:
"Decorrendo o ano de 1952, continuavam os apelos à adesão de sócios. Mas surgiam já e também grandes – e comoventes - sinais de apoio da «nação azul».
(...) [Um] exemplo (...) que viria até a originar uma das mais emblemáticas forças de apoio popular em prol do estádio e do Clube. Assim era o anúncio no portuense «Jornal de Notícias» [do qual Manuel Ramos veio a ser director]:
«Agora que a construção do novo estádio do Belenenses vai entrar em fase mais activa, iniciando-se em breve os respectivos trabalhos, sabemos que os sócios e adeptos do clube residentes no Porto e nos concelhos vizinhos estão interessados num grande movimento de solidariedade tendente a obter fundos que se destinem àquelas obras.
Vai ser constituída uma comissão central e serão, depois, distribuídas listas para inscrição de todos os bons amigos do Belenenses, que atingem elevado número em terras do Norte.»
A segunda maior cidade e o Norte de Portugal diziam também «presente!». Estava prestes a nascer um dos mais importantes e incansáveis núcleos de Belenenses do País, como veremos adiante.
À cabeça de tão admirável movimento, o ilustre jornalista Manuel Ramos, que ao mesmo tempo inspiraria um outro grande exemplo, a ser seguido por mais consócios: voluntariamente passou a pagar uma quota suplementar de 20 escudos!
(...)
Quanto às campanhas e iniciativas de sócios e adeptos, não era menor o frenesim. O entusiástico grupo do Norte a que já nos referimos no Capítulo anterior, liderado pelo notável jornalista Manuel Ramos, conseguiu por fim a criação de um núcleo, com simpatia designado como «Tertúlia Belenense», com sede na cidade do Porto. No dia 20 de Dezembro de 1952, nos salões da delegação portuense do Automóvel Clube de Portugal, teve lugar a primeira reunião, premiada com sucesso imediato. Seguiu-se uma nova reunião logo a 5 de Janeiro de 1953, demonstrando o bom andamento da iniciativa, bem como um concorrido jantar de confraternização, poucos dias depois (11 de Janeiro), contando com presença avalizadora do próprio Presidente do Clube (Francisco Mega). Uma merecida prova de reconhecimento que muito alentou os Belenenses da região.
(...)
Aliás do Norte, do mesmo Manuel Ramos, o Belenenses logo aproveitou uma excelente idéia. Recorde-se que o referido consócio, num gesto voluntário e de grande generosidade, já havia oferecido ao Clube o pagamento de uma quota suplementar. No Boletim de Dezembro de 1952 o Clube exortou os restantes consócios a seguirem tal exemplo, registando uma receptividade que dificilmente podia ser maior: sucederam-se os novos voluntários… às centenas!
(...)
[No ano de 1954] A «Tertúlia Belenense», por sua vez, também fazia o que podia – sempre apoiados na incontornável figura de Manuel Ramos, que fazia da redacção do «Jornal de Notícias» ponto de distribuição de vinhetas e mealheiros. Ambicionava já a instalação de uma sede para a «Tertúlia», mas o ano não se revelaria propício para tal (como curiosidade, as reuniões continuaram a ter lugar na «Leitaria Primus», na Rua Rodrigues Sampaio, no Porto).
Em novo jantar de confraternização, realizado a 27 de Setembro de 1954, chegou a reinar o desânimo. Apesar de novo feito – a primeira abertura de mealheiros fora da Secretaria do Clube – e de mais uma brilhante e emocionada evocação da história do Belenenses (celebrava-se também o 35º aniversário do Clube) Manuel Ramos mostrou-se profundamente desiludido com o que considerava ter sido uma fraca adesão ao jantar (cerca de trinta pessoas, quando sabia serem às centenas os Belenenses no Porto). Não fosse o pronto e caloroso incentivo dos presentes (em especial de Diamantino de Carvalho, outro Belenense «ferrenho») e a «Tertúlia» poderia ter acabado ali. Mas continuou, em distante mas enorme – cada vez maior – amor ao Belenenses!
(...)
Mantendo ainda especial atenção sobre o que se passou no ano de 1955, cumpre destacar – uma vez mais – aquele que foi talvez um dos maiores símbolos do «querer Belenense» em toda a campanha do Estádio do Restelo.
Já aqui referimos: a devotada e incansável «Tertúlia Belenense» no Porto, ela própria fruto da solidariedade e empenho despertados pela construção da nova «casa azul». Mas o ano de 1955 marcaria uma grande etapa na vida daquele grupo de indefectíveis do Norte de Portugal, como veremos de seguida.
(...) À frente das «tropas» estava o jornalista Manuel Ramos (Jornal de Notícias), figura que de longe fazia pulsar um enorme coração azul, mas que era também presença assídua e sempre considerada nos grandes momentos do Belenenses… em Belém.
A «Tertúlia Belenense» nem sempre viveu dias de ânimo e felicidade. Sofreu com certa desmobilização ou alheamento, sofreu com a perda do campeonato em 1955… mas ressurgiu sempre, estóica, como se cada golpe a fizesse mais forte e tenaz.
Um dos seus problemas concretos – «práticos» – era a falta de uma sede própria. Entre salões cedidos (gentilmente), esta ou aquela simpática «leitaria» (como a «Leitaria Primus»), a verdade é que para realizar as suas reuniões a «Tertúlia» não dispunha de condições próprias e condignas.
Até que em Junho de 1955 a vontade começou a ganhar forma. Falava-se de um primeiro andar no centro da cidade do Porto, não ideal, mas satisfatório…
Paralelamente, foi lançada uma iniciativa que devemos obrigatoriamente mencionar, não só por dizer respeito à «Tertúlia», mas porque evoca também um outro episódio da história do Clube. É que no final do «fatídico» encontro com o Sporting Clube de Portugal em 1955, nas Salésias (o que ditou a perda de um campeonato a minutos do fim), registaram-se alguns desacatos… posteriormente punidos pela Federação, com a aplicação de uma multa ao clube.
Entendendo que, por um lado, era dever dos sócios ajudar a «aliviar» essa pena imposta ao Clube, e que, por outro, deviam ser todos os sócios a assumir a culpa (ainda que só alguns fossem verdadeiramente responsáveis), Diamantino de Carvalho, um dos mais ilustres e intervenientes consócios do Norte, sugeriu que fossem os sócios a pagar a multa em causa, contribuindo cada um de acordo com as suas possibilidades.
Um belo exemplo de desportivismo e amor ao Clube…
Regressando ao assunto principal, foi em Setembro de 1955, altura de aniversário do Clube (mas também, como veremos posteriormente, momento-chave na construção do Estádio) que a «Tertúlia» finalmente conseguiu o seu objectivo. Assim deu conta o Jornal «Os Belenenses»:
«Foi solenemente inaugurada a sede da Tertúlia de «Os Belenenses» no Porto
A Tertúlia de «Os Belenenses» no Porto, fundada, em boa hora, há cerca de três anos, por um grupo de bons e dedicados amigos do Clube, realizou no passado Domingo [dia 25 de Setembro de 1955] o sonho que vinha acalentando desde a sua criação. A partir desse dia, tem a Tertúlia uma sede condigna, pequena embora, mas que não envergonha o Belenenses – cujo prestígio e bom nome, aliás, sempre têm sido defendidos pelos homens que no Porto se dispuseram a criar uma verdadeira «casa belenense».
(...) falou o nosso consócio Manuel Ramos, em nome da Comissão Dirigente da Tertúlia. Começou por saudar o Sr. Dr. Urgel Horta, afirmando que o chefe do distrito, a não estar presente, não poderia ter enviado àquela festa um representante mais qualificado. Desportista ilustre, com uma obra notável dentro do F.C. do Porto, a sua presença ali constituía motivo de satisfação para todos os Belenenses. Lamentado o motivo por que o Sr. Dr. Domingos Braga da Cruz não pudera comparecer, Manuel Ramos pediu ao Sr. Dr. Urgel Horta que dissesse ao Sr. Governador Civil quanto todos os presentes desejam as melhoras do seu filho.
Saudou, depois, o Sr. Dr. Paulo Sarmento, vereador municipal. Também a Câmara quisera fazer-se representar por um desportista prestigioso, que todos admiram. O facto equivalia a uma redobrada honra.
O orador cumprimentou, a seguir, o Sr. Capitão Magalhães, pedindo-lhe que transmitisse ao Sr. Tenente-Coronel Santos Júnior a certeza de que a Tertúlia sempre saberá cumprir, sem esforço de maior aliás, aquelas disposições legais a que todas as colectividades congéneres estão sujeitas.
Depois, Manuel Ramos agradeceu a presença dos clubes da cidade, dizendo que se permitia destacar o nome de dois deles: o F.C. do Porto e o Sporting Clube Vasco da Gama. O primeiro é um amigo de sempre. São velhas e fortes, indestrutíveis, as relações de amizade entre o glorioso clube portuense e o Belenenses. O Vasco da Gama tem a irmaná-lo ao nosso Clube a mesma Cruz de Cristo – que os atletas das duas colectividades, orgulhosamente, usam na camisola. Dirigindo-se ao Sr. Dr. Miguel Pereira, vice-presidente do F.C. do Porto, Manuel Ramos, depois de fazer o elogio do ilustre dirigente, que presidiu há anos aos destinos do grande clube, onde realizou uma obra de maior valia, garantiu-lhe que a Tertúlia do Porto sempre procurará trabalhar pelo bom entendimento entre Porto e Belenenses – cuja amizade nada ou ninguém fará destruir.
O «Solar dos Leões» e a «Casa do Benfica» mereceram também duas palavras amigas de Manuel Ramos. Colectividades de idênticos fins, ambas elas trabalham, afinal, como a Tertúlia, para um maior engrandecimento dos seus clubes – e do Desporto, portanto.
O orador saudou, depois, a Imprensa e a Rádio, o que fez, quanto à primeira, esquecendo por momentos a sua qualidade de jornalista. A Tertúlia – afirmou – muito deve aos jornais e à Rádio.
As últimas palavras de Manuel Ramos foram para o Clube, para os seus dirigentes, associados e jogadores. Garantiu que a Tertúlia saberá continuar a trabalhar, como até aqui, em favor do Belenenses – seu grande e único objectivo!; que deseja ter a colaboração de todos os belenenses, sem excepção, procurando uni-los, cada vez mais, sob a bandeira do Clube; e que os belenenses do Porto, acreditando embora no valor da sua equipa de futebol e na competência do seu treinador, saberão manter-se fiéis ao seu ideal de sempre, sejam quais forem os resultados no campo da luta. Saudou todos os sócios, presentes e ausentes, e, falando do esforço que representa a inauguração da sede da Tertúlia, pôs em destaque a preciosa colaboração recebida do Sr. Alfredo Castro, desportista distinto e artista de méritos reconhecidos, ali, por curiosa coincidência, representando o Sporting Vasco da Gama.
Voltado para o Sr. Dr. Paiva Raposo, Manuel Ramos terminou por dizer que os belenenses do Porto não faltarão, no próximo ano, à inauguração do grande estádio do Restelo.
(...) Durante o dia, a sede foi visitada por elevado número de belenenses – do Porto, de Lisboa e da Província.»
(...) Em Novembro de 1955 seria o próprio Manuel Ramos a fazer uma apreciação sobre a nova sede da Tertúlia, ao Jornal do Clube:
«(…) A sede da Tertúlia – e temos sempre o maior prazer em recebê-lo lá! – é uma coisa modesta, que mais não conseguimos. Estou certo, porém, de que não envergonha o Belenenses e corresponde perfeitamente ao que os nossos consócios do Norte desejariam possuir. Instalações maiores e melhores, quando o Clube vive um momento de apertada economia e em que todos os esforços devem conjugar-se com vista ao Estádio do Restelo – seria, não há dúvida, asneira crassa.
O que ali está – com a sua sala de bilhar, com o seu bar, com a sua sala da direcção e secretaria – chega muito bem para as presentes necessidades e aspirações. Oxalá, porém, essa casa viesse um dia a mostrar-se pequena demais para o seu movimento. Era bom sinal!
Para já, os sócios do Belenenses e da Tertúlia podem frequentar a sede todas as noites – pois ali, em camaradagem amiga, encontrarão um verdadeiro ambiente belenense.(…).»
Manuel Ramos exortava todos os Belenenses a ajudarem a Tertúlia e, dessa forma, o Belenenses. Quanto ao Estádio do Restelo, revelou ainda que já estava em estudo uma grande excursão dos Belenenses do Norte, para estarem presentes no grande dia da inauguração!
Como referimos anteriormente, a Tertúlia «centralizava» a recolha de mealheiros no Norte e até já tinha tido o privilégio de realizar uma abertura, algo que esperava repetir por altura do seu terceiro aniversário – desta vez na sua sede.
Assim aconteceu, numa festa realizada a 22 de Dezembro de 1955 (data que por vezes é confundida com a de aniversário – só que em 1955 o dia 20 correspondia a um dia útil).
(...) Falta-nos referir que a sede da «Tertúlia» situava-se no 1º andar do nº 875 da Rua Fernandes Tomás, no Porto…
Como se pode facilmente constatar, é com todo o merecimento que os episódios da história da «Tertúlia Belenense» têm lugar especial numa «história» do Estádio do Restelo, como aliás já o tiveram em livros sobre a história do próprio Belenenses (da autoria de Acácio Rosa). Exemplos como o de Manuel Ramos, nunca será demais repetir, são raros e inexcedíveis."
Por fim, um texto publicado hoje mesmo no "seu" Jornal de Notícias (de Manuel Vitorino c/ Jorge Vilas), que nos revela outras facetas daquele nosso consócio, homem de fortes princípios, determinado... mas também de excelente humor:
"Morreu Manuel Ramos
A hora dos coronéis
Manuel Ramos foi, durante anos, um assíduo frequentador do café "A Brasileira", na Baixa portuense
"A sua postura suscitava respeito. Era discreto, sabia ouvir como poucos e era muito exigente. Com ele próprio e com os outros", afirmou Carlos Lage, presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, amigo de Manuel Ramos, ontem falecido e cujas exéquias fúnebres serão efectuadas, hoje, na igreja da Lapa, no Porto.
Foi um jornalista de corpo inteiro. Teve uma vida dedicada ao JN, onde trabalhou durante 47 anos, em que foi, entre outros cargos, director (entre Setembro de 1978 e Dezembro de 1979) e chefe de redacção. Sabia-se que estava doente há muito tempo e temia-se pela sua morte. Nesta Casa feita de papel impresso, partilhou alegrias e tristezas. Percorreu todos os patamares da empresa foi revisor, repórter da cidade, redactor, chefe de redacção, director. Na hora do seu desaparecimento - aos 86 anos, nasceu em 16 de Fevereiro de 1920 -, fica a memória de um homem exemplar e rigoroso, tendo repartido o seu saber e sua experiência de vida por diferentes instituições sociais e culturais da cidade.
E amigos "Era um homem de grande carácter. Interessava-se por tudo. Quando entrava na livraria, procurava saber as novidades editoriais. Os últimos livros que comprou cá foram obras de Lobo Antunes e José Saramago", contou, ao JN, Henrique Perdigão, dono da Livraria Latina, na Praça da Batalha, um dos locais habituais de tertúlia de Manuel Ramos. O outro era, nos bons velhos tempos, o café "A Brasileira".
De volta aos elogios "Convivi com ele [Manuel Ramos] nos tempos da Constituinte e a imagem que deixou foi de um homem rigoroso e de independência face às propostas apresentadas. Foram tempos memoráveis. Também foi um dos alicerces da democracia", recordou Carlos Lage.
O antigo eurodeputado lembrou, ao JN, outros episódios vividos ao longo do anos, confidências da militância partidária vividas por ambos dentro do PS/Porto "A escolha dos candidatos fez-se de uma forma curiosa, já que uma boa parte das pessoas não tinha a noção do que era a Assembleia Constituinte. Mas Manuel Ramos cedo evidenciou a sua presença", destacou Carlos Lage. O livreiro Henrique Perdigão preferiu destacar o "homem incansável", o jornalista criterioso e que, nas horas difíceis, não virava a cara à luta: "Quando quiseram fechar a livraria, por causa de uma acção de despejo, os seus escritos no JN contribuíram para a cidade tomar posição. A Latina sempre foi uma referência cultural. A livraria não fechou e ganhámos a acção em tribunal", contou o livreiro.
Na oposição a Salazar
Manuel Ramos sempre esteve ligado aos círculos da Oposição ao regime de Salazar e Caetano. Conviveu com António Macedo, Carlos e Mário Cal Brandão e juntamente com Vital Moreira e outros constitucionalistas foi redactor da Lei Fundamental que resultou do 25 de Abril. Porém, a sua acção cívica estendeu-se a diversas instituições e organismos da cidade. Foi membro da primeira comissão administrativa da Câmara Municipal do Porto, presidida pelo arquitecto Artur Andrade; mais tarde, vice-governador civil do Porto, ao lado do seu amigo e correligionário Mário Cal Brandão. Pela sua acção e pelos serviços prestados à causa pública, a Câmara do Porto concedeu-lhe, no início da década de 80,a Medalha de Honra da Cidade. Ainda como jornalista e figura pública, Manuel Ramos teve particular intervenção na crise vivida durante bastante tempo no Asilo Profissional do Terço, uma instituição de relevantes serviços prestados à cidade e cuja gestão danosa foi objecto de intervenção por parte do Ministério Público e da Segurança Social do Porto.
Manuel de Sousa Ramos era casado com Silvina de Sousa Ramos, pai de Maria Manuel Ramos e avô de Sílvia Regina Vilas e Marta Luísa Vilas Dias. Encontra-se depositado na capela mortuária da igreja da Lapa, onde, hoje, pelas 15 horas, terá lugar a celebração de exéquias fúnebres. O féretro seguirá para o cemitério do Prado do Repouso, onde o corpo será inumado.
À família o JN apresenta as mais sentidas condolências.
A "hora dos coronéis"
A "hora dos coronéis" chegava depois do jantar. O militar de plantão nas instalações dos Serviços de Censura, à Rua de Santa Catarina, telefonava pontualmente às 21 horas e Manuel Ramos fazia questão de ser ele a atender, embora quem o conhecesse soubesse que paciência evangélica era virtude que ele não cultivava.
"Notícias sobre o almirante Tenreiro são para cortar" - dizia o coronel do lado de lá do telefone. "Para cortar, senhor coronel? Então, já não se pode falar de um homem que tantos serviços tem prestado à Pátria?", repontava Manuel Ramos, do lado de cá, em ar de gozo. "E também estão proibidas notícias sobre suicídios", informava, noutra altura, o coronel. E Manuel Ramos escrevia nas suas notas diárias "A Censura proibiu os suicídios em Portugal"…
São aos milhares as notas de Censura que ainda existem no Centro de Documentação do "Jornal de Notícias". Como a desobediência nestes casos era crime e podia dar azo a julgamento em Tribunal Plenário, outro remédio não havia senão seguir à risca as "ordens dos coronéis", que não se limitavam a dá-las pelo telefone. Todos os dias, o Maciel, contínuo da Redacção, ia a Santa Catarina levar as prosas para os censores poderem cortar, com lápis vermelho - em Lisboa, o lápis era azul - os extractos que eles considerassem não estarem de acordo com os cânones do regime. E invariavelmente os cortes deixavam as notícias sem qualquer sentido… Manuel Ramos, que sempre foi um homem da Oposição, ficava vermelho de raiva com todos estes disparates. Também no Centro de Documentação do JN há milhares de notícias arquivadas com o selo dos coronéis. E quanto à guerra colonial, que mobilizou milhares de jovens para as antigas colónias, nem pensar. Daqui apenas podia dar-se à estampa as notas oficiais que, normalmente, só contemplavam o número de mortes e feridos. Mas não se fazia, então, as notícias? Manuel Ramos, neste particular, era inflexível "Nós escrevemos; eles que cortem se quiserem", sentenciava."
De acordo com a informação prestada pelo Clube, Manuel Ramos, que era à data o sócio nº 20, foi elevado a Sócio de Mérito em 1959 e em Novembro de 2002 foi distinguido com o mais alto galardão do Clube, a Cruz de Cristo de Ouro - Mérito e Dedicação.
Que recordemos para sempre Manuel Ramos com o mesmo carinho e respeito que nutria pelo seu Clube - o nosso, o nosso Grande Belenenses!
Nota: uma primeira versão do texto foi publicada pelo autor no blogue Canto Azul ao Sul (9 de Novembro de 2006).
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Os Guarda-Redes do Belenenses
Épocas/Habituais Titulares/(Reservas/Suplentes/Pontuais)
1919/20 Mário Duarte, Mário Monteiro (?)
1920/21 Mário Duarte, José Paulo dos Santos (?)
1921/22 Mário Duarte, Artur José Pereira (1 jogo!)
1922/23 Mário Duarte, Stock(?), Manuel Pereira(?)
1923/24 Mário Duarte, Manuel Arsénio
1924/25 Alaiz, Stock
1925/26 Assis, Alaiz [Campeões de Lisboa]
1926/27 Assis [Campeão de Portugal]
1927/28 Assis, Jerónimo Morais
1928/29 Assis, João Tomás, Jerónimo Morais [Campeões de Portugal e de Lisboa]
1929/30 João Tomás, Jerónimo Morais, José Luís Gomes [Campeões de Lisboa]
1930/31 João Tomás, Jerónimo Morais
1931/32 Soares dos Reis, Jerónimo Morais, J. Miranda(?) [Campeões de Lisboa]
1932/33 Jerónimo Morais [Campeão de Portugal]
1933/34 José Reis a), Jerónimo Morais
1934/35 José Reis a), Jerónimo Morais
1935/36 José Reis a), Jerónimo Morais
1936/37 José Reis a), Fernando Sousa
1937/38 Artur Dyson, Fernando Sousa
1938/39 (?)
1939/40 Salvador Jorge
1940/41 Salvador Jorge
1941/42 Salvador Jorge [Vencedor Taça de Portugal]
1942/43 Salvador Jorge
1943/44 Salvador Jorge, Capela b) [Campeões de Lisboa]
1944/45 Capela b), José Sério, Acácio Correia
1945/46 Capela b), José Sério [Campeões Nacionais da 1ª Divisão e de Lisboa]
1946/47 Capela b), José Sério
1947/48 José Sério a), Joaquim Caetano c)
1948/49 José Sério a) , Joaquim Caetano c)
1949/50 Joaquim Caetano c), José Sério a)
1950/51 José Sério a), Joaquim Caetano c), Carmo Duarte?
1951/52 José Sério a), Joaquim Caetano c)
1952/53 José Sério a), Joaquim Caetano c), José Pereira
1953/54 José Sério a), José Pereira d)
1954/55 José Pereira d), José Sério a)
1955/56 José Pereira d)
1956/57 José Pereira d)
1957/58 José Pereira d)
1958/59 José Pereira d)
1959/60 José Pereira d), Nascimento [Vencedores da Taça de Portugal]
1960/61 José Pereira d), João Ferreira Gomes, Nascimento
1961/62 José Pereira d), João Ferreira Gomes, Nascimento
1962/63 José Pereira d), João Ferreira Gomes
1963/64 José Pereira d), João Ferreira Gomes
1964/65 José Pereira d), João Ferreira Gomes
1965/66 José Pereira d), João Ferreira Gomes, Serrano
1966/67 João Ferreira Gomes, Serrano
1967/68 João Ferreira Gomes, Serrano
1968/69 João Ferreira Gomes, Serrano, Félix Mourinho
1969/70 Ferro, Serrano, Félix Mourinho
1970/71 Félix Mourinho, Ferro, Vítor Cabral
1971/72 Félix Mourinho, Ferro, Ruas
1972/73 Félix Mourinho, Ruas, Ferro
1973/74 Felix Mourinho, Melo, Ruas
1974/75 Melo, Figueiredo
1975/76 Melo, Figueiredo
1976/77 Melo, Figueiredo
1977/78 Rui Paulino, José Pereira, Delgado
1978/79 Rui Paulino, José Pereira, Delgado
1979/80 Delgado, Jacinto João
1980/81 Delgado, Jacinto João
1981/82 Jacinto João, Padrão, Torres
1982/83 Figueiredo, Torres, Luís Santos
1983/84 Melo, Justino
1984/85 Melo, Justino
1985/86 Jorge Martins, Justino, Rui Valentim
1986/87 Jorge Martins, Justino, Rui Valentim
1987/88 Jorge Martins, Justino, Rui Valentim
1988/89 Jorge Martins, Justino, Rui Valentim [Vencedores da Taça de Portugal]
1989/90 Borislav Mihailov d), Justino, Pedro Espinha e) (Juv. Belém)
1990/91 Pedro Espinha f) (6 int?), Justino
1991/92 Pedro Espinha f), Figueiredo, Adamo / Luis Ferreira
1992/93 Pedro Espinha f), Figueiredo, Luis Ferreira
1993/94 Pedro Espinha f), Figueiredo, Luis Ferreira
1994/95 Figueiredo, Tomislav Ivkovic g), Luis Ferreira
1995/96 Tomislav Ivkovic g), Luis Ferreira, Valente
1996/97 Valente, Silvino, Luis Ferreira
1997/98 Botelho, Valente, Luis Ferreira
1998/99 Marco Aurélio, Botelho, Luis Ferreira
1999/00 Marco Aurélio, Botelho, Luis Ferreira
2000/01 Marco Aurélio, Botelho, Luis Ferreira
2001/02 Marco Aurélio, Luis Ferreira, Pedro Alves
2002/03 Marco Aurélio, Luis Ferreira, Pedro Alves
2003/04 Marco Aurélio, Pedro Alves, Fábio Montes
2004/05 Marco Aurélio, Pedro Alves, Fábio Montes
2005/06 Marco Aurélio, Pedro Alves, Marco Pinto
2006/07 Marco Aurélio, Costinha, Marco Gonçalves, Marco Pinto
2007/08 Costinha, Júlio César, Marco Gonçalves, Marco Pinto, Thiago Schmidt
2008/09 Júlio César, Costinha, Assis, Thiago Schmidt (emp.)
a) - 1 internacionalização ("AA") pelo Belenenses
b) - viria a ter 5 internacionalizações, salvo erro já pela Académica (para onde se transferiu, tendo a sua estreia na Selecção sido a 5 de Janeiro de 1947)
c) - 11 internacionalizações ("AA") pelo Belenenses, o mais internacional guarda-redes azul de sempre
d) - Campeão Nacional de Juniores em 1946/47
e) - 102(!) internacionalizações pela Selecção da Bulgária, ainda hoje recordista absoluto do seu país. Curiosamente a sua passagem pelo Belenenses coincidiu com um período "morto" (entre a frustrada fase de qualificação para o Campeonato do Mundo de 90 e a do Campeonato da Europa de 92).
f) - viria a ter 10 internacionalizações pelo Guimarães e pelo Porto
g) - 38 internacionalizações pela Jugoslávia, todas antes de ingressar no Belenenses
São devidos agradecimentos a Luís Gomes, Álvaro Antunes, Fernando Nunes e Joaquim Caetano (um dos nossos guarda-redes), pela ajuda prestada neste levantamento.
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sexta-feira, 5 de junho de 2009
SÉRIE: Cinquentenário do Estádio do Restelo - Capítulo II - 1ª parte
1ª parte: ventos de mudança
No capítulo anterior recordámos – ainda que de forma sintética - os dias do Belenenses nos seus antigos campos «ignorando» propositadamente os detalhes dos acontecimentos que levariam à construção de um novo estádio. Assim sendo, cabe-nos agora recuar de novo no tempo, desde aquela manhã em que uma multidão calcorreou o percurso das Salésias ao Restelo, até ao momento em que verdadeiramente se iniciou essa caminhada… da qual o cortejo de Setembro de 1956 foi, no fundo, uma emocionada evocação simbólica.
Antes de mais, torna-se conveniente fazer uma breve análise de alguns dos motivos subjacentes à ordem de expulsão das Salésias (em Junho de 1946), pois nem todos diziam exclusivamente respeito ao Belenenses ou, pelo menos, entrecruzavam-se numa teia de circunstâncias que afectavam os clubes em geral.
Podemos afirmar que a partir do início da década de 30 foram duas as grandes «frentes» de mudança conjuntural. Por um lado, uma que partia dos próprios clubes de futebol, que por contrapartida da sua popularidade crescente e do reconhecimento generalizado da importância da formação desportiva, pretendiam uma maior comparticipação estatal nos investimentos tidos como necessários para manter – e até expandir – aquela sua função.
A outra «frente» dizia respeito ao próprio Estado, que na mesma altura se preparava para efectuar uma série de obras públicas de vulto. No caso particular da zona de Lisboa, projectava a criação de novos bairros, espaços de recreio e lazer, bem como uma nova rede viária, tudo em grandes proporções.
Num momento inicial, não era evidente a necessidade de emparceiramento com os clubes, evitando a incómoda concorrência de reivindicações que a pluralidade de emblemas cogitava.
Porém, em 1933, por iniciativa conjunta de um grupo parlamentar e do jornal «Os Sports» (o mais importante de então), realizou-se o primeiro Congresso de Clubes Desportivos, cujas conclusões viriam a ser apresentadas ao Presidente do Conselho de Ministros (já na altura a figura máxima do poder). As diversas exigências incluíam, à cabeça, a construção de um «estádio nacional», pois considerava-se que em todo o País não existia ainda um recinto apropriado para eventos desportivos de grande envergadura (incluindo a realização de jogos internacionais). Das restantes, destacavam-se ainda: a construção de instalações locais e/ou regionais que pudessem ser aproveitadas pela generalidade dos clubes; a criação de um organismo governamental que regulasse e fomentasse a actividade desportiva; a criação de uma escola superior de educação física e a atribuição de um estatuto especial aos clubes, como reconhecimento acrescido da sua utilidade pública (com a respectiva concessão de vantagens fiscais).
Culminando aquele movimento concertado, os clubes marcaram presença numa grande «parada atlética» no Terreiro do Paço (a 3 de Dezembro de 1933), prestando homenagem ao Presidente do Conselho e, enfim, aguardando o seu veredicto. Foi então que António de Oliveira Salazar confirmou a promessa de construir o Estádio Nacional. A questão dos estádios dos clubes, como veremos, seria para resolver depois, caso a caso.
Como já referimos no capítulo anterior, quem não ficou à espera foi o Belenenses. Em 1937, sem apoios estatais ou camarários, inaugurou o primeiro campo relvado em Portugal, assumindo assim o papel de anfitrião dos maiores espectáculos desportivos. Isto enquanto o referido Estádio Nacional não fosse uma realidade, o que só viria a acontecer em 1944, como também veremos adiante.
Do estrangeiro, entretanto, continuavam a chegar exemplos de grandes estádios, alguns deles erigidos ostensivamente como símbolos de poder das nações (tal como viria a ser, em boa medida, o Estádio Nacional). O melhor exemplo de todos era o «Olympiastadion», em Berlim, onde Hitler presidiu à celebração dos Jogos Olímpicos de 1936. Dispunha da exorbitante capacidade para sentar 110 mil espectadores!
Os maiores clubes europeus, por sua vez, sonhavam contar com semelhantes recintos, apenas comparáveis aos antigos Coliseus romanos.
Quanto aos clubes lisboetas, numa primeira instância, teriam de se sujeitar ao desfiar de prioridades do Governo e Câmara Municipal.
Em 1938 foi inaugurado o Parque Florestal de Monsanto, onde desde tempos remotos mal existiam árvores e se cultivavam searas e hortas. Pouco depois, iniciava-se a construção de uma auto-estrada que «cortaria» as mesmas serranias fazendo a ligação entre as Amoreiras e o Estádio Nacional (hoje parte da auto-estrada de Cascais), recinto que na mesma altura já brotava numa outra futura zona florestal, mais distante (o Vale do Jamor).
O primeiro grande clube afectado seria o Benfica, que a troco de uma indemnização monetária e da cedência de um antigo campo do Sporting (no Campo Grande), teria de abandonar o seu campo das Amoreiras, pois por ali desembocaria o Viaduto de Duarte Pacheco. Nessa altura, curiosamente, pôs o Belenenses o seu estádio à disposição dos «encarnados».
Contudo, a idéia inicial da Câmara Municipal de Lisboa era mais arrojada: propunha a todos os grandes clubes a construção de novos complexos desportivos no Parque de Monsanto, a seu cargo e por contrapartida do abandono de todos os campos já existentes na cidade.
Para o Benfica, tal solução implicava que a utilização do estádio do Campo Grande (a célebre «estância de madeira») se tornasse provisória. Para além disso, com o argumento de ter sido o primeiro clube afectado, conseguiu também o privilégio de ser o primeiro a escolher um espaço em Monsanto. O Sporting, por seu turno, deveria suspender as obras previstas para o seu «novo» campo (situava-se em local aproximado do primeiro campo da sua história, no Lumiar). O Belenenses, em boa medida, era o que mais tinha a perder: tão só e de longe o melhor estádio do País, mas também a preciosa, característica e antiga ligação umbilical a Belém.
Esmorecido o interesse das partes, o «plano de Monsanto» afinal não passaria das intenções.
Em 1940, como já referimos anteriormente, foi a vez do Casa Pia A.C. ter de abandonar o Campo do Restelo, sacrificado à Exposição do Mundo Português. Até encontrar solução definitiva, recorreu a um antigo campo para os lados do Rio Seco (que havia pertencido ao União de Lisboa).
Em 1944, mais concretamente no dia 10 de Junho, foi finalmente inaugurado o Estádio Nacional, disputando-se um jogo entre Benfica e Sporting… sobre aquele que ainda era somente o segundo campo relvado do País (depois das Salésias).
Chegados ao ano de 1946, só existia mais um campo relvado: o da Tapadinha, pertencente ao Atlético Clube de Portugal, que havia sido inaugurado no ano anterior. As Salésias, embora a partir daí preteridas para a realização das finais da Taça e dos jogos da Selecção (em favor do Estádio Nacional), ainda serviam de campo de treino para esta última, pois na cidade de Lisboa continuava a não haver melhor.
Foi então que chegou a notícia que tomou de (desagradável) surpresa o Belenenses, como já descrevemos no anterior capítulo.
Quanto aos rivais, o Benfica havia obtido pouco tempo antes (em Maio de 1946) a promessa de poder voltar ao seu lugar de origem. Em reunião com o Ministro das Obras Públicas, este declarou solenemente: «o Benfica é de Benfica e para lá tem de voltar!». Abandonaria assim o estádio do Campo Grande para depois erguer, numa solitária planura, o «Estádio de Carnide», mais tarde conhecido como… Estádio da Luz. Seria inaugurado em 1954, sendo o primeiro campo relvado dos «encarnados».
O Sporting, que já se encontrava (re)instalado no seu berço de origem, também nessa altura (1946) decidiu promover melhorias, incluindo o arrelvamento do seu campo e a posterior construção de um novo estádio (no mesmo local), que viria a inaugurar a 10 de Junho de 1956 (o Estádio José de Alvalade).
A esta altura impõe-se uma nota de ressalva: quando aqui referimos a situação de outros clubes não o fazemos por reverência ou, inversamente, por desrespeito. Nem tão pouco desvirtuamos o nosso propósito, que é dar a conhecer uma (pequena) parte da história do Belenenses. O que apresentamos não são senão factos, reconhecidos e divulgados pelos próprios emblemas e instituições em causa, que nos permitem descrever o cenário geral em que se desenrolaram acontecimentos respeitantes ao Belenenses, sendo estes últimos indissociáveis daquele.
Para completar o «quadro geral», urge ainda fazer referência ao que entretanto ocorria na zona de Belém em particular. Recorde-se, uma vez mais, que a justificação para a expropriação das Salésias era, segundo a C.M.L., a necessidade de urbanização.
Com efeito, já desde o final da década de 30 se faziam sentir profundas alterações, acentuadas com a realização da Exposição do Mundo Português: surgiu a Praça do Império; foi inaugurado o Bairro Novo de Belém (ou Bairro das Terras do Forno, entre a Rua dos Jerónimos e a Calçada do Galvão); foram abertas as avenidas da Torre de Belém, do Restelo e da Índia, neste último caso implicando a destruição de gasómetros que serviam a Fábrica de Gás de Belém (cuja demolição se previa para a mesma altura, mas só se veio a efectuar já em 1950); desapareceu também o antigo Mercado de Belém e, por fim, a Casa Pia de Lisboa teve de abandonar o Mosteiro dos Jerónimos para se instalar no Colégio Pina Manique (nas traseiras), enquanto os terrenos que dispunha a Norte, da antiga «cerca», foram sendo expropriados (ficariam limitados, como hoje, pelo traçado da Avenida do Restelo).
Para os descampados que permaneciam a Norte, até às imediações de Monsanto e Caselas, já tudo estava traçado no papel, incluindo um bairro residencial com pretensões de luxo. Nada ou quase nada escapava aos planos de urbanização. Uma vez mais, depois de meio século de atribulações, o grande clube de Belém teria de sofrer para não se apartar do seu bairro.
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Pepe, 1931: O adeus de um campeão
No final da manhã do dia 23 de Outubro de 1931 deu entrada no Hospital de Marinha um jovem torneiro de metais, de fato de ganga e bóina, queixando-se de violentas dores na barriga. Viria a falecer no dia seguinte, tendo sido em vão todos os esforços para o salvar.
Nos dias que se seguiram, a notícia da sua morte surge nas capas dos jornais; ao seu funeral acorre uma infindável multidão; de todo o país e do estrangeiro chegam manifestações de pesar. Mais tarde, erguem um monumento em sua memória e uma rua de Lisboa passa a ter o seu nome. Quem era, afinal?
Era José Manuel Soares, o “Pepe”, um dos melhores jogadores de sempre do Belenenses e da história do futebol português.
As origens
José Manuel Soares Louro nasceu a 30 de Janeiro de 1908 (embora certas fontes apontem o dia 29), filho de Maria José da Silva Soares e de Julião Soares Gomes. O local terá sido a casa da família, na Rua do Embaixador, nº17, em Belém (outras fontes referem – talvez por lapso – que teria nascido na Covilhã, terra de origem da família?).
Foi em Belém que cresceu o “Pepe” (diminutivo de José - talvez por influência dos muitos galegos que viviam na zona), sujeito a enormes vicissitudes, no seio de uma família pobre, num bairro pobre. O pai vendia hortaliça com uma carroça, de porta em porta. A mãe tinha uma banca de fruta no antigo Mercado de Belém (já desaparecido, situava-se em frente da actual Rua Vieira Portuense, sendo contíguo o antigo Campo do Pau do Fio). E aqueles parcos rendimentos serviam para sustentar, para além do Pepe, mais cinco irmãos: Ana (a mais velha, que era quem tomava conta da casa e dos outros), Rogério, Suzana e ainda outros dois (mais novos).
Na mesma Rua do Embaixador, porém, tinha o Pepe ilustres vizinhos. Também de famílias humildes, mas que se iam tornando famosos por todo o país, graças ao que parecia uma brincadeira de crianças, mas que já animava multidões: o futebol. Ali viviam alguns dos melhores futebolistas, dos tempos do Sport Lisboa, das Terras do Desembargador (logo acima da rua)… e dos primeiros anos do Belenenses. Entre os quais, Artur José Pereira, então o melhor jogador de todo o País e principal fundador do Clube, cuja fama por certo não deixaria indiferente a miudagem da rua. Recorde-se que à data da fundação do Belenenses tinha o Pepe 11 anos.
Não terá sido assim surpreendente que José Manuel Soares, como tantos outros rapazes, viesse a engrossar as fileiras de jovens promessas do novo Clube (de antigas tradições). Em 1924, com 16 anos, começou a jogar na 4ª “categoria” (escalões jovens). A 18 de Outubro desse mesmo ano, foi promovido directamente à 2ª categoria (logo abaixo da equipa de “honra”), o que demonstra bem a sua qualidade.
A estreia e conquista do primeiro Campeonato de Lisboa
O grande momento, a estreia pela equipa principal, aconteceu a 28 de Fevereiro de 1926, tinha o Pepe apenas 18 anos. É bastante conhecido o episódio, em que o capitão Augusto Silva chamou o rapazinho para entrar em campo, logo contra o Benfica. Mas já lá vamos. Menos conhecida é a verdadeira razão da chamada de José Manuel Soares à 1ª categoria. Assim a revelou Joaquim Dias, um dos sócios fundadores, em entrevista ao Jornal do Belenenses:
“- O Artur José Pereira, depois de aturada conversa comigo, na altura tesoureiro do clube, deliberou tomar tal decisão [de incluir o Pepe na 1ª categoria], apesar do receio que tinha em que a massa associativa não gostasse, devido à pouca idade do inesquecível atleta.”
Assim ficamos a saber que o grande mestre do futebol português, Artur José Pereira, que ajudou a formar tantos jogadores de excelência (até finais dos anos 30), também esteve ligado à progressão do Pepe - embora discretamente, como lhe era habitual.
Regressando ao dia 28 de Fevereiro de 1926, tratava-se da 11ª jornada do importantíssimo Campeonato de Lisboa (onde estavam as melhores equipas e que chegou a servir como “poule” indirecta para o Campeonato de Portugal). Como em épocas anteriores (nomeadamente, a de 1924/25), o Belenenses tinha boas hipóteses de conquistar aquele título - seria a primeira vez nos seus 7 anos de história. Já havia amealhado 6 vitórias, 2 empates (com Sporting e Benfica, na 1ª volta) e apenas tinha sofrido 2 derrotas (com o Setúbal – jogo altamente polémico – e com o Carcavelinhos). O jogo anterior tinha sido, precisamente, a derrota com o Carcavelinhos (que por fusão com o União de Lisboa daria origem ao Atlético).
Os nervos estavam à flor da pele. Na verdade, era um momento crucial para a vida do Belenenses. Era tempo de saber se o Clube, fundado pelos melhores futebolistas, podia afinal continuar entre os melhores, conquistando um grande título. E era tempo de confirmar se a seguir à primeira geração (cujos últimos representantes, Alberto e Joaquim Rio, se retiraram por esta altura) já havia uma segunda geração de jogadores, também eles, entre os melhores.
Para descrever o que se passou naquele Domingo, aqui fica o relato compilado por Acácio Rosa:
“O Belenenses a um quarto de hora do fim, perdia por 1-4!
Campo das Amoreiras.
Belenenses-Benfica!
Durante setenta e cinco minutos só dois jogadores não perderam a fé ante a descrença geral. Augusto Silva – o mais velho – e Pepe – o mais novo.
Antes do encontro, corriam rumores de que alguns dos nossos jogadores, por desinteligências internas, não jogariam.
A Direcção delegou em Augusto Silva plenos poderes para a escolha da equipa.
E, Augusto Silva escolheu os onze jogadores e para a meia esquerda foi Pepe! Vinha dos infantis [como se designavam as camadas jovens em geral]…
Mas, a um minuto do fim, com o resultado já em 4-4, a vontade indómita de todos e os ataques sucessivos, o adversário comete falta na grande área. Penalty!
Ninguém dos belenenses queria ser o responsável pela execução da falta.
Augusto Silva, resolutamente, aponta para o Pepe e diz-lhe: “o penalty marcas tu!”
Pepe, envergonhado e receoso, apenas respondeu:
- Eu, Sr. Augusto????
- Sim, marcas tu!
E Pepe marcou o golo e o Belenenses venceu o Benfica por 5 a 4, para o Campeonato de Lisboa.”
Foi o delírio entre as “hostes” de Belém - Pepe, o “miúdo”, era um novo herói! E que melhor ocasião – tomando parte de um dos míticos “quartos de hora à Belém”!
Ficava aberto o caminho para a conquista do primeiro Campeonato de Lisboa (pela primeira vez disputado por 8 equipas, em vez de 5 – o que valorizou ainda mais aquele triunfo). Para tal bastaram as vitórias sobre o Império (3-0) e o Sporting (1-0), ficando tudo resolvido para a última jornada, em que perdemos por 4-1 com o União de Lisboa, resultado já sem importância.
Seguiu-se a disputa do Campeonato de Portugal, que pela primeira vez reunia os vencedores dos campeonatos regionais – isto é, também passava a incluir mais equipas.
E, para primeira participação do Belenenses… nada mal: depois de vencer o GS “Os Leões” por 7-2, o Espinho por 4-1, e o difícil Olhanense por 2-1, chegámos à final, a disputar com o Marítimo.
O jogo foi no campo do Ameal, no Porto, a 6 de Junho de 1926, e José Manuel Soares fazia parte do “onze”.
Mas o jogo não acabou bem… ou melhor, nem acabou quando devia (aos 20 minutos da 2ª parte)! Depois de acontecimentos estranhos – antes e durante o jogo, incluindo a animosidade dos portuenses – o Belenenses perdeu por 2-0...
A época de 1926/27 e a conquista do primeiro Campeonato de Portugal
A época seguinte, de 1926/27, ficaria para a História do Clube como uma das melhores.
No Campeonato de Lisboa ficámos em 2ª lugar, perdendo o título para a também fortíssima formação do Vitória de Setúbal (também curiosamente foi a última vez que o Vitória disputou o Campeonato de Lisboa, devido à criação da Associação de Futebol de Setúbal). O Pepe alinhou em 9 dos 14 jogos disputados.
Estreia Internacional de Pepe
A 16 de Março de 1927, no campo do Lumiar, deu-se a estreia de José Manuel Soares pela Selecção Nacional. Frente à poderosíssima França (para “desforra” da derrota de Abril de 1926, em Toulouse, por 4-2), Pepe marcou 2 golos (o primeiro a consegui-lo na história da Selecção), contribuindo para a vitória (4-0). Saiu em ombros, levado pela multidão. O Pepe já não era só um herói dos Belenenses, também já era um herói nacional!
Sobre esta estreia e a “desforra”, escreveu Ricardo Ornellas posteriormente:
“E que desforra e que dois rapazes que se estrearam! Dois Zés Manéis, o Soares, “Pepe”, e o Martins, o de ponta esquerda - um «gravoche» e endiabrado e o outro, cheio de boas maneiras.
Dividiram os golos: cada um fez dois. Um o Pepe, foi garoto…
Depois do encontro disse que, no segundo dele «palavra de honra»
que não queria mandar a bola à baliza; ia só a fazer uma passagem... Não
importa nada, claro, que a crítica tivesse considerado golo uma maravilha
de execução; era-se menos exigente...”
A 2ª internacionalização terá ocorrido em Itália (derrota por 1-3). A 29 de Maio de 1927, a terceira (derrota em Espanha por 2-0).
A edição do Campeonato de Portugal para 1926/27 seria, sem dúvida, a mais difícil de todas até então disputadas. Poderiam participar todas as equipas que o desejassem fazer!
Depois de levar de vencida os Leões de Santar (9-1), o poderoso FC Porto (3-2), o Marítimo (8-1, numa desforra saborosa frente ao “campeão”!) e o Benfica (2-0), o Belenenses conseguiu de novo o lugar na final (pela 2ª vez… na 2ª participação!).
O adversário foi o Vitória de Setúbal , pelo que estava também em causa uma “desforra” pelo sucedido no Campeonato de Lisboa.
No jogo realizado a 12 de Junho de 1927, no Stadium do Lumiar, o Belenenses venceu por 3-0 e sagrou-se assim – pela primeira vez – Campeão de Portugal! E o Pepe, titular, conseguiu assim o seu primeiro título nacional. Não marcou nenhum dos 3 golos (um Augusto Silva e dois de Silva Marques), mas ajudou no primeiro, com uma simulação que enganou a defesa adversária e deixou a baliza à mercê de Augusto Silva.
No dia 9 de Julho de 1927 teve lugar um banquete de homenagem aos campeões, entre os quais Pepe, no Casino S. José de Ribamar (antigo palácio Ribamar), em Algés. Pouco depois Pepe (como os restantes) seria elevado a Sócio de Mérito do Clube de Futebol “Os Belenenses”, com apenas 19 anos de idade (era o sócio nº 1784)! Aconteceu na Assembleia Geral de 8 de Agosto de 1927.
A época de 1927/28 e a epopeia dos Jogos Olímpicos
Na época de 1927/28 o Belenenses viveu mais alguns momentos inesquecíveis da sua história. Afirmou-se como um clube pujante, vitorioso e com um futuro auspicioso.
A 29 de Janeiro de 1928, em jogo a contar para o Campeonato de Lisboa (10ª jornada), foi inaugurado o magnífico campo das Salésias, o seu primeiro recinto próprio apto para as competições oficiais! Mal sabia o Pepe que esse mesmo campo viria a ser baptizado com o seu nome…
Para o Campeonato de Lisboa de 1927/28 (em que ficámos em 3º lugar) o Pepe realizou 11 jogos, ajudando a que tivéssemos o melhor ataque da competição, com 42 golos.
Pelo meio, a conquista da Taça de “Natal” (frente a Benfica e Setúbal) e da Taça Ademar de Melo (a duas mãos, com o Boavista).
Para o Campeonato de Portugal, depois de eliminarmos o Luso de Beja (7-1) e o Leça (8-1), fomos eliminados pelo Vitória de Setúbal (1-4), em mais um estranho jogo, disputado no campo do Benfica (cujos sócios, presentes em força, estavam contra nós). O Pepe disputou os 3 jogos em questão.
Mas um dos momentos mais altos da carreira de Pepe foi, sem dúvida, a participação nos Jogos Olímpicos de Amsterdão, em 1928.
Depois de boas prestações em jogos particulares, a Federação Portuguesa de Futebol decidira inscrever a Selecção no Torneio Olímpico de futebol. Para a viagem até Amsterdão, os seleccionadores Cândido de Oliveira e Ricardo Ornelas não hesitaram em escolher os Belenenses José Manuel Soares, Augusto Silva, César de Matos e Alfredo Ramos (embora este não viesse a participar em qualquer jogo). No total, quatro jogadores do Belenenses, que era assim o clube mais representado na Selecção!
Os jogos particulares em que José Manuel Soares havia alinhado foram com a fortíssima Argentina, em 1 de Abril de 1928 (empate a 0); com a Itália, em 15 de Abril de 1928 (estrondosa vitória por 4-1) e com a França, a 29 de Abril de 1928 (brilhante empate a 1 bola). De permeio, a presença num Lisboa-Algarve (8-0) e num Lisboa-Madrid (2-2).
De salientar que em todos estes jogos Pepe alinhou como “interior” esquerdo…
Já em Amsterdão, a estreia foi excelente. A 27 de Maio de 1928, frente à duríssima selecção do Chile, naquele que foi o primeiro jogo da Selecção Nacional em competições oficiais, Pepe marcou 2 golos, contribuindo decisivamente para a vitória (4-2). Vitória essa que não foi nada fácil. Começaram os chilenos em vantagem, com dois golos, enquanto Portugal ficava momentaneamente reduzido a 10 (por lesão de um jogador). No segundo tempo conseguimos a reviravolta, “num estrondoso alarde de valentia, ânimo, coragem e consistência técnica”.
No segundo jogo (a 29 de Maio de 1928), nova vitória, frente à Jugoslávia, com uma exibição histórica de Augusto Silva, que marcou um golo e foi levado em ombros pelos próprios holandeses.
Terminou a “aventura” com uma derrota frente ao Egipto (3 de Junho de 1928), numa conjunção de má arbitragem (incluindo um golo mal anulado) e excesso de confiança.
No entanto, o País rendeu-se aos heróis de Amsterdão, os “Leões de Amsterdão” (ou ainda “Tigres”, uma versão menos “leonina”). Entre eles, os três Belenenses que foram titulares em todos os jogos, sendo que Pepe alinhou sempre como “interior”… direito.
E assim José Manuel Soares ficou também para a história, como atleta olímpico!
Já depois dos Jogos Olímpicos, o Belenenses efectuou a sua primeira visita à Madeira, depois de insistentes convites dos madeirenses. O Pepe alinhou em todos os jogos ali realizados (5).
Finalmente, em 11 de Novembro de 1928, foram homenageados na sede do Clube os nossos “leões de Amsterdão” (Pepe, Augusto Silva, César de Matos e Alfredo Ramos), tendo sido descerrados os seus retratos pelo Presidente da Associação de Futebol de Lisboa.
A época de 1928/29 e a supremacia - as conquistas do segundo Campeonato de Lisboa e do segundo Campeonato de Portugal
Seguiu-se a época de 1928/29, repleta de glória. Talvez a melhor de sempre!
E foi bastante atarefada… e atribulada.
Começou com o Torneio de Preparação, envolvendo os primeiros 4 classificados do Campeonato de Lisboa. A 23 de Setembro de 1928 (data de aniversário) vencemos o União de Lisboa por 2-1, e na final, a 30 de Setembro de 1928, empatámos a zero com o Sporting. Devia ter sido jogado um período suplementar de 30 minutos, mas os sportinguistas não o quiseram. Estranhamente, não foi atribuída a vitória no torneio…
O Pepe foi titular nos dois jogos.
Seguiu-se um jogo frente ao Setúbal, que terminou em empate (3-3).
Depois iniciou-se o Campeonato de Lisboa 1928/29, em que alguns jogadores “azuis” foram bastante penalizados pela violência dos adversários. Pepe, com um entorse; César de Matos, chegou a fracturar a perna direita; e Rodolfo Faroleiro, com forte contusão que o obrigou a perder boa parte da 1ª volta.
Chegados a Dezembro, o Belenenses contava já com 5 vitórias, um empate e uma derrota. Estava no bom caminho…
De realçar, as vitórias frente ao União de Lisboa (3-2), Sporting (3-1) e Carcavelinhos (3-1).
Entretanto, a 2 de Dezembro de 1928, Pepe participara no primeiro jogo Paris-Lisboa (1-2).
Aproveitando o interregno natalício, a 23 e 25 de Dezembro de 1928 o Belenenses disputou dois jogos com o FC Porto, ambos no Porto, conseguindo uma vitória no primeiro (2-1), perdendo no segundo (2-3).
Em Janeiro de 1929 Lisboa recebeu a grande equipa do Ferencváros, campeão da Hungria e vencedor da Taça da Europa Central (disputada pelos campeões da Hungria, Áustria e Checoslováquia), que para mais havia derrotado pouco antes o Blackburn, vencedor da Taça de Inglaterra, por expressivos 6-1. Face a tal poderio, sucumbiu o Belenenses, mesmo com Pepe, por 6-0 (a 1 de Janeiro).
Seguiu-se a Taça Associação (da AF Lisboa), na qual Belenenses foi eliminado no primeiro jogo (derrota por 2-1 frente ao União de Lisboa, a 13 de Janeiro de 1929).
A 31 de Janeiro de 1929 realizou-se um jogo em benefício do Asilo Nun’Álvares, em virtude do contrato de cedência do terreno das Salésias. O Belenenses venceu o Vitória de Setúbal por 3-1. No encontro de retribuição, em Setúbal (a 3 de Fevereiro de 1929), os vitorianos conseguiram uma vitória farta em golos (6-1).
Contudo, os resultados menos conseguidos desta altura não afectaram o percurso do Belenenses, destinado a mais altos “vôos”.
Logo no recomeço do Campeonato de Lisboa (a 17 de Fevereiro de 1929) o Belenenses levou de vencida o Benfica por 6-3!
E embora na jornada seguinte o União de Lisboa levasse a melhor (4-2, a 24 de Fevereiro), em seguida veio nova vitória frente ao Sporting (1-0, a 10 de Março de 1929).
Aproveitando novo interregno do Campeonato, o Belenenses efectuou nova digressão, a Marrocos (à parte que era colónia francesa – a restante era espanhola), a convite do Clube Português de Marrocos.
Pepe alinhou nos 3 jogos, em que o Belenenses deixou excelente impressão. Como curiosidade, foi Artur José Pereira (que integrava a comitiva) que a convite dos próprios marroquinos arbitrou as partidas em causa…
Eis os resultados e algumas das reacções da imprensa local:
31 de Março de 1929 – Belenenses 1, Union Sportive Marocaine 1
Do jornal “La Vigie”: “os portugueses mostraram-se melhores footballers que os nossos locais e o resultado do encontro, um empate, não representa de nenhuma maneira a fisionomia da partida”
1 de Abril de 1929 – Belenenses 5, Olympique de Rabat (Olympique Marocain) 1
Do “La presse”: “A partida disputada no Estádio Municipal de Aguedel foi esplêndida. Os “azuis” de princípio a fim mostraram a sua táctica impecável.”
2 de Abril de 1929 – Belenenses 4, Club de Football de Fez, 0
Ainda antes desta digressão, Pepe participou em dois encontros da Selecção Nacional (derrota em Espanha por 5-0, a 17 de Março, e derrota em França por 2-0, a 24 de Março) e num encontro “Norte-Sul” que os “sulistas” (com Pepe) venceram por 4-1 (a 3 de Março).
De regresso a Lisboa, regressou também o Campeonato (o de Lisboa, claro). Faltavam apenas quatro jornadas para o final, e nada estava decidido. O Belenenses partia com 7 vitórias, 1 empate e 2 derrotas… mas Benfica, Carcavelinhos e União de Lisboa (e, com hipóteses mais remotas, o Sporting) estavam à espreita.
Contudo, fomos irrepreensíveis… e imbatíveis. A 14 de Abril de 1929, vitória por 3-2 frente ao Palhavã (sucessor do Império); a 21 de Abril, vitória por 8-0 (!) sobre o Casa Pia; a 28 de Abril, nova goleada, 8-0 sobre o Bom Sucesso; e a 12 de Maio de 1929, o jogo do título, em que o Belenenses derrotou o Carcavelinhos por 2-0!
Estava assim conquistado o segundo Campeonato de Lisboa da história do Belenenses!
E a José Manuel Soares coube boa parte dos 54 golos marcados (embora a época seguinte viesse a ser mais espectacular ainda, como veremos), a que corresponderam 37 pontos (recorde-se que para o Campeonato de Lisboa, nestas épocas, a pontuação por jogo era a seguinte: vitória – 3 pontos; empate – 2 pontos; derrota – 1 ponto).
A 5 de Maio de 1929 Pepe participou em mais um encontro “inter-cidades”, entre a selecção militar de Lisboa e a de Madrid (derrota por 2-3).
Dois dias depois (e ainda antes do final do Campeonato de Lisboa, portanto) começaria o Campeonato de Portugal. Seria o Belenenses capaz de conquistar a “dobradinha” (Campeonato de Lisboa + Campeonato de Portugal), que só o Sporting conseguira, por uma vez, em 1922/23? Seria o Belenenses o primeiro clube de Lisboa a conseguir conquistar dois campeonatos de Portugal? (recorde-se que à época o Benfica não havia conquistado nenhum) Seria também o Belenenses apenas o segundo clube a nível nacional a conseguir conquistar dois campeonatos de Portugal? (embora o Porto, o primeiro, tivesse obtido o seu primeiro título na 1ª edição, limitada a Porto… e Sporting).
A primeira eliminatória do Belenenses até foi “fácil”. O adversário (Leiria) não compareceu…
Ainda antes da eliminatória seguinte houve novo Porto-Lisboa, em que o Pepe esteve presente (19 de Maio de 1929, terminando com vitória dos portuenses por 4-3).
A 26 de Maio de 1929, para os oitavos de final do Campeonato de Portugal, o Belenenses eliminou um dos principais concorrentes, vencendo o Benfica por 3-2. Neste desafio o Pepe sofreu entrada duríssima, logo aos 5 minutos, e o Belenenses esteve praticamente o jogo inteiro com apenas 10 elementos!.
A 2 de Junho, nos quartos de final, foi a vez do difícil Carcavelinhos ficar pelo caminho, por 3-1.
O jogo das meias finais, frente ao Setúbal, foi bem difícil, como seria de prever. A 9 de Junho as equipas não foram além de um empate. Mas o jogo de desempate aconteceu logo no dia seguinte (aproveitando o facto de ser feriado), levando o Belenenses a melhor (2-0). O curioso é que ambos os jogos foram em Setúbal, tendo o Belenenses repousado na praia de Albarraquel de um dia para o outro… e aproveitou para incluir o Pepe no 2ª jogo, porque não tinha sido possível no primeiro!
Chegou então a final, realizada a 16 de Junho de 1929, no campo da Palhavã. O adversário era o complicado União de Lisboa, que no entanto não resistiu à superioridade “azul”. Vencemos por 2-1! Um clube com pouco menos que 10 anos de vida, de novo Campeão de Portugal!
Três dias depois, a 19 de Junho, a Direcção do Clube manifesta o louvor aos “duplos” campeões, incluindo o Pepe (e o próprio Artur José Pereira, que era o treinador!).
De realçar o número de jogos disputados nesta época, em especial pelo Pepe (37!). Ao nível de um jogador profissional dos nossos dias…
A época de 1929/30, os "records" e o terceiro Campeonato de Lisboa
A época seguinte (1929/30) viria a ser talvez a melhor época de sempre de José Manuel Soares, que estava ainda mais “maduro”, hábil e astuto. Ele que de aparência nunca deixara de ser um rapazola.
Integrado nas festas do 10º Aniversário do Clube, disputou-se um Belenenses-Barreirense, com derrota por 3-5.
Seguiu-se a Taça Preparação, com uma vitória por 6-2 frente ao Carcavelinhos (22 de Setembro de 1929) e um empate a 3 bolas com o Benfica (a 29 de Setembro de 1929).
O Campeonato de Lisboa, iniciado poucos dias depois, ficou marcado por records… do Belenenses, e do Pepe em especial.
A 27 de Dezembro de 1929, logo na 2ª jornada, o Belenenses venceu o Bom Sucesso por 12 golos a 1, dos quais José Manuel Soares marcou 10! Este é, até hoje, um record imbatido em competições oficiais. Mas vejamos a tabela completa de resultados, onde não faltam os golos (mais que literalmente!):
Casa Pia: 9-1 e 6-1
Bom Sucesso: 12-1 e 11-0
Chelas: 6-1 e 5-1
Benfica: 1-3 e 1-2
União de Lisboa: 7-1 e 7-3
Carcavelinhos: 4-2 e 5-1
Sporting: 1-0 e 4-2
E assim foi conquistado o terceiro título de Lisboa, com a espectacular marca de 79 golos – “record” imbatido da competição.
Por seu turno, Pepe (que foi totalista) marcara 36 golos no campeonato, tornando-se no melhor marcador de sempre; e os 61 golos no total da época, eram também “record”!
A nível de representações internacionais, a época também foi fantástica para José Manuel Soares.
Em 6 de Outubro de 1929, alinhou por Lisboa na vitória por 3-2 frente à selecção de Sevilha. A 1 de Dezembro de 1929, um resultado menos feliz na Selecção Nacional, em Itália (derrota por 6-1).
Nos dois importantes jogos que se seguiram, Pepe foi a estrela. A 12 de Janeiro de 1930 foi um golo seu que deu a vitória frente à poderosa Checoslováquia, num jogo disputado em Lisboa. E a 23 de Fevereiro de 1930, em jogo disputado no Porto, a Selecção Nacional venceu a grandiosa França por 2-0… com dois golos do Pepe!
Resumindo aqueles excelentes resultados, escreveu posteriormente Ricardo Ornelas:
“Duas vitórias seguidas em casa: 1-0, contra a Checoslováquia em Lisboa, à custa dum Roquete enorme e quando aparecia, como capitão um Serra e Moura, inteligente e brioso, cedo levado pela morte; e 2-0 contra a França, no Porto, num desafio em
que Carlos Alves, o das luvas [pai de João Alves], e mais o Pépe, o da boina, encheram o campo”.
Na época de 1929/30 Pepe participou ainda num “Norte-Sul” (a 3 de Novembro de 1929, ganho pelos “sulistas” por 0-2) e num “Lisboa-Porto” militar (venceram os de Lisboa por 5-0, a 20 de Abril de 1930).
A 6 de Abril de 1930 decorreu no Hotel Duas Nações um banquete de homenagem aos campeões de Lisboa. E os campeões eram bastantes – não só da primeira categoria: o Belenenses conquistara o título lisboeta nas categorias de honra (1ª), reservas (2ª) e 2ª categoria (3ª), algo que nenhum clube conseguira até então!
Para além disso, o Belenenses era também o clube com o maior número de jogadores em representação na Selecção Nacional e Selecções Regionais!
O Campeonato de Portugal de 1929/30, no entanto, não viria a ser feliz para as nossas cores.
O formato foi alterado, pois a partir dos oitavos de final as eliminatórias eram decididas a duas “mãos”.
Começámos bem, ao derrotar o Olhanense por 6-0. Na eliminatória seguinte, dos oitavos, empatámos duas vezes com o FC Porto (2-2 e 3-3). O jogo de desempate, em Santarém, ditou a vitória do Belenenses por 2-1.
Nos quartos de final eliminámos o Marítimo, depois de um “nulo” seguido de uma vitória por 2-1.
O Belenenses “caíu” na meia-final, frente ao Barreirense, de forma invulgar e polémica. Depois de um empate (1-1), ficou apurado o Barreirense graças a uma vitória por 3-2 no 2º jogo… sendo que o 3º e decisivo tento foi um auto-golo de um dos nossos…
A polémica “estalou” quando o Belenenses denunciou a inscrição na equipa do Barreiro de um jogador residente na Ajuda (e que por curiosidade também já jogara pelo Belenenses). Pelos regulamentos, ao que parece, os jogadores tinham que residir no distrito da sua equipa. No entanto, não nos foi dada razão (mesmo com recurso ao poder judicial, já então!). Em protesto, Augusto Silva, César de Matos e o “nosso” José Manuel Soares pediram escusa à Federação para o jogo de 8 de Junho de 1930, frente à Bélgica. E, com efeito, não jogaram. Assim sendo, o memorável jogo contra a França acabou por ser o último jogo de José Manuel Soares pela Selecção Nacional…
A época de 1930/31, a última
A época de 1930/31 foi de certa forma “atípica” para os padrões do Belenenses à época de José Manuel Soares. Com efeito, desde a estreia deste na 1ª equipa, só numa época o Belenenses não conseguira conquistar um dos dois grandes títulos (Campeonatos de Lisboa e de Portugal). Nas outras quatro foram conquistados 3 Campeonatos de Lisboa e 2 Campeonatos de Portugal…
Naquela época, porém, o Belenenses ficou em “branco”.
Até começámos bem, com a conquista da Taça de Preparação, vencendo na final o Benfica por 3-2 (depois de eliminar Sporting e Casa Pia).
A vingança “encarnada” chegou a 12 de Outubro, vencendo o jogo de “abertura” por 3-1.
A carreira no Campeonato de Lisboa, em bom rigor, também foi bastante boa (apesar de não termos conquistado o título). O Belenenses terminou em 2º lugar, com 11 vitórias, 1 empate (Sporting) e apenas uma derrota (União de Lisboa)… a um ponto apenas do Sporting, que sagrou-se campeão…
Sporting: 1-0 e 2-2
Benfica: 4-2 e 4-1
União Lisboa: 2-1 e 1-2
Chelas: 6-1 e 4-1
Bom Sucesso: 6-0 e 4-0
Carcavelinhos: 6-1 e 4-0
Casa Pia: 2-2 e 1-0
Repare-se que o Belenenses, com 47 golos, teve o melhor ataque no torneio, uma vez mais…
Ainda em 1930 Pepe participou noutros desafios particulares:
2 de Novembro: Belenenses 4, Carcavelinhos 0 – jogo de beneficência em favor do sanatório do Outão
14 de Dezembro: Belenenses 4, Benfica 2
29 de Dezembro: Belenenses 4, União de Lisboa 2 – jogo de beneficência em favor do Asilo Nun’Álvares, nos cumprimento do contrato de cedência dos terrenos das Salésias.
Em 1931, outros jogos ainda de carácter particular:
31 de Janeiro: Belenenses 3, União de Coimbra 1 – jogo realizado em Coimbra
1 de Março: União de Lisboa 1, Belenenses 3 – jogo comemorativo do 21º aniversário do União de Lisboa
29 de Março: Belenenses 2, Barreirense 2
5 de Abril: Belenenses 1, União de Lisboa 2 – jogo a favor da Federação Portuguesa de Tiro
15 de Maio: Belenenses 1, Misto do Sporting, União de Lisboa e Barreiro 2 – jogo a favor do antigo árbitro Alfredo Pedroso
31 de Maio: Belenenses 4, Boavista 2
10 de Junho: Belenenses 0, Barreirense 2 – disputa da Taça Caridade, que também serviu para fazer esquecer definitivamente os “atritos” da época anterior entre os clubes em causa…
Entretanto, a 22 de Março de 1931 o Belenenses estreou-se na Taça “Lisboa”… e não viria a participar no Campeonato de Portugal dessa mesma época…
Mais um rocambolesco episódio (não é só nos dias de hoje) esteve na origem de tal facto.
Parece que, a propósito de uma visita do Vitória de Setúbal ao Brasil, surgiu um violento diferendo entre a Associação de Futebol de Lisboa, por um lado, e a Federação Portuguesa de Futebol, mais as Associações de Futebol de Setúbal, Porto e Algarve, por outro. Como resultado, a AF Lisboa proibiu todos os seus filiados de realizarem desafios com clubes daquelas associações, o que na prática ditaria a desistência de todas as equipas de Lisboa de participarem Campeonato de Portugal. E, com efeito, Belenenses, Sporting, Carcavelinhos e União de Lisboa não participaram no Campeonato de 1930/31. Os únicos a “furarem” o acordo foram o Benfica (que já agora queria repetir o título, conquistado pela primeira vez apenas na época anterior) e o Casa Pia (em simpatia com o Benfica). Curioso é o facto de que duas das mais fortes formações da própria Associação de Futebol de Setúbal, o Barreirense e o Luso do Barreiro, também não terem participado…
Em compensação, a Associação de Futebol de Lisboa decidiu oferecer a referida Taça Lisboa, a ser disputada pelos clubes que com ela se solidarizaram no conflito com a FPF (incluindo clubes que poderiam ter beneficiado da desistência de outros, mas não o quiseram – como o Chelas ou o Fósforos).
O Belenenses chegou à final depois de eliminar o Fósforos (11-0 e 6-0), o Chelas (3-4 e 4-2) e o Luso do Barreiro (meia-final, por 3-0). No jogo derradeiro, disputado a 14 de Junho de 1931, perdemos frente ao Sporting, por 3-1.
Terminou assim de forma estranha a última época completa de José Manuel Soares ao serviço do Belenenses…
Em termos de selecções regionais, Pepe disputou ainda:
Lisboa-Coimbra, 5-2, a 21 de Dezembro de 1930
Porto-Lisboa, 1-0, a 10 de Maio de 1931
Lisboa-Porto militar, 4-2, a 7 de Junho de 1931
Lisboa-Santarém, 2-1, a 5 de Junho de 1931
O adeus
A 19 de Outubro de 1931, já no início da época 1931/32, disputou-se um Belenenses-Sporting para a Taça Serra e Moura, que vencemos por 1 a zero. Este terá sido o último jogo de Pepe. Ironicamente, Serra Moura – então homenageado – era um jogador famoso do Sporting (companheiro de Selecção do Pepe) que havia falecido prematuramente…
E assim voltamos a início deste texto, onde antecipámos a notícia da trágica morte de José Manuel Soares, o “Pepe” – Campeão de Lisboa e de Portugal, atleta olímpico, internacional por 14 vezes (com 7 golos marcados), cerca de 140 jogos feitos pelo Belenenses!
Morreu com 23 anos, por causa de um estúpido acidente - que desta vez, porém, não detalharei aqui. Homero Serpa e Marina Tavares Dias (depois) compilaram rigorosos relatos do episódio, que recomendo.
A memória de um símbolo do Belenenses
Desta vez, fiquemos apenas com a imagem do garoto campeão… mas sempre humilde.
Mesmo chegando a ser um ídolo por esse país fora, nunca abandonou – nem poderia – o seu ofício. Até aos 19 anos trabalhou como torneiro de metais numa oficina ao pé do Mercado de Belém. Depois, provavelmente com a ajuda de Belenenses (o Presidente João Luís de Moura era aviador naval), foi trabalhar para as oficinas do Centro de Aviação Naval do Bom Sucesso (criado pelo belenense Gago Coutinho – que aliás dali partiu com Sacadura Cabral em 1922 para a travessia do Atlântico Sul).
Nasceu pobre e morreu pobre, naquele dia 24 de Outubro, há três quartos de século atrás.
A morte de Pepe teve primeiro destaque na Imprensa nacional: "Morreu o Pepe! A notícia, como todas as más notícias, correu célere, levando a desolação a todo o meio desportivo. Vitimado em circunstâncias dolorosamente trágicas, quando contava apenas 22 [23] anos, quando a sua vida resplandecia no máximo da pujança, José Manuel Soares leva consigo a dor inconsolável dos seus parentes, o pranto comovido e a saudades enorme dos seus companheiros de desporto, e a compaixão sincera de todo o público"
Em sinal de luto profundo, a equipa do Belenenses ostentou fumos pretos durante o resto da época de 1931/32. E assim ficaram para a posteridade, com semblantes de tristeza, os que já sem o Pepe conquistaram o quarto campeonato de Lisboa (precisamente o de 1931/32), entretanto a ele dedicado.
Por ocasião do 13º Aniversário do Clube (em 1932) foi descerrado nas Salésias o monumento em honra de José Manuel Soares, um belo e sóbrio baixo-relevo da autoria do famoso mestre-escultor Leopoldo de Almeida. Em 1956, na sequência do abandono forçado das Salésias e após a inauguração do Estádio do Restelo, o monumento foi trasladado para o novo recinto, sendo descerrado na sua nova localização a 1 de Dezembro de 1956, onde ainda hoje o encontramos.
O próprio campo das Salésias, na mesma altura (1932), recebeu o seu nome. Mais tarde, como o melhor recinto do País, passaria a ser conhecido como “Estádio José Manuel Soares”, até ao seu abandono.
Em 1983 o Grupo “Os Mil” instituiu os troféus “Pepe”, para distinguir os mais dedicados e notáveis Belenenses do ano (foram entregues em 28 de Maio de 1983). Iniciativa efémera, porém (seguiram-se os “Amaros”, e depois…).
O conceituado cronista desportivo Severiano Correia descreveu assim José Manuel Soares:
“Era de facto um jogador extraordinário! Irrequieto e franzino, dentro do rectângulo era um elemento que chamava as atenções do público. Chutador por excelência, de uma combatividade extraordinária, constituía perigo para qualquer defesa, por muito valiosa que fosse. Era o menino mimado das gentes de Belém, de tal modo que nem com uma rosa se lhe poderia bater — expressão do seu mestre Artur José Pereira.”
Severo Tiago, também ele jogador do Belenenses, diria décadas mais tarde acerca do Pepe: “Hoje esse fenómeno valeria milhões de contos”.
E digo eu: José Manuel Soares, o nosso “Pepe”, não foi “apenas” um rapaz com má fortuna, um pobre desgraçado que desapareceu deste mundo de forma trágica e comovente. Esse foi o fim absurdo de uma carreira brilhante, a de um rapaz talentoso, dedicado, bondoso, generoso, que com todas essas virtudes conseguiu conquistar gentes pelo País fora (e até pelo estrangeiro).
Foi o primeiro ídolo do futebol português, embora tivesse sucedido a grandes nomes, como Artur José Pereira (cuja fama como jogador dificilmente ultrapassou o meio) e embora faltassem ainda décadas para o aparecimento dos chamados “mass-media”. Contudo, o crescente interesse da imprensa, pela primeira vez, “fabricou” uma autêntica lenda.
Pepe foi quase tudo o que um jogador famoso pode ser. Excelente na sua “arte”, imitado pelos miúdos de todas as terras por onde passava, querido e invejado entre as moças, respeitado pelos colegas, venerado pelos adeptos…
Porém, não era rico, nem vaidoso, mas tinha um amor à camisola como o amor à sua terra: entranhado!
Será coisa do passado, como os vários títulos conquistados. Mas a vontade de vencer, a entrega – em cada jogo, como no “quarto de hora”, ou na sua vida, até ao último dia – são imortais.
Até sempre, Pepe!
Nota: texto anteriormente publicado pelo autor nos blogues Canto Azul ao Sul (24/10/2006) e Torres de Belém (24/10/2007)
Contacte o autor para reprodução total ou parcial de conteúdos deste blogue.
Artur José Pereira, ou A Origem do Belenenses
Artur José Pereira nasceu em Belém a 16 de Novembro de 1889, na casa da família na Rua do Embaixador (nº 69). A família Pereira era bastante humilde, como boa parte das famílias residentes nessa zona.
Havia passado somente um ano sobre o célebre encontro promovido pelos irmãos Pinto Basto na Parada de Cascais, que consubstanciou a introdução do futebol no nosso país. O futebol ainda dava os seus primeiros passos em Portugal...
Porém, poucos anos depois, a “febre” do futebol chegou a Belém, disputando-se alguns dos encontros não muito longe da casa de Artur. A partir de 1892, com a construção da Praça de Touros do Campo Pequeno, o terreiro em frente ao Palácio de Belém (futura Praça Afonso de Albuquerque), a praia de Belém e as “Terras do Desembargador” tornaram-se outros locais predilectos para treinos e a disputa de jogos “a sério”…
Este último local era talvez e de todos o mais próximo da casa de Artur José Pereira (não longe das traseiras da Rua do Embaixador) e era onde mais frequentemente se disputavam jogos “oficiais” (a par com Carcavelos), não sendo portanto de estranhar que este já como criança de tenra idade tivesse assistido a encontros de futebol aí disputados pelos maiores entusiastas da época.
Belém era então o primeiro foco do futebol popular, do futebol de rua – neste caso também na praia! - e os belenenses os primeiros entusiastas provenientes de classes mais desfavorecidas.
Entretanto, já mais crescido, é certo que Artur fazia parte da miudagem que fazia tudo para ir ver o futebol , mais concretamente os jogos dos ingleses da Companhia do Cabo Submarino / Carcavelos FC, em Carcavelos, ou os renhidos encontros na vizinha Casa Pia (dos quais o primeiro relatos é de 1893).
Não sabemos se terá assistido ao histórico encontro de 22 de Janeiro de 1897 em que os rapazes da Casa Pia derrotaram o Carcavelos Club po 2-0 no hipódromo (os ingleses, até então mestres imbatidos), mas os ecos desse resultado sem dúvida deverão já ter entusiasmado o jovem Artur (então com 7 anos).
Os primeiros pontapés
Com toda esta envolvente, o passatempo predilecto das crianças logo passou a ser o futebol, jogado com bolas de trapos, de bexiga de porco ou de boi, como relataria anos mais tarde Manuel Martins (o “Barbinhas”, por ser sua a barbearia da zona), grande amigo de Artur José Pereira, em entrevista a Romeu Correia.
Desta forma, não temos dúvidas que, quando foram inauguradas a Praça e Estátua de Afonso de Albuquerque (1903), Artur José Pereira era um dos rapazes que por lá dava pontapés na bola, provavelmente já com notável talento (contava já 13 anos).
Nessa mesma altura já se tinham formado dois grupos populares na zona, a secção de futebol da “Associação do Bem” (associação de ex-alunos da Casa Pia) e o grupo dos “Catataus”, alcunha dos irmãos Rosa Rodrigues que lideravam o grupo de vizinhos da Rua Direita (hoje Rua de Belém). Artur José Pereira deve ter sido uma vez mais espectador atento, quando não participante prematuro nas “peladinhas” na praia, junto às Salésias ou à Praça Afonso de Albuquerque. Já a “Associação do Bem” fazia os seus treinos no Hipódromo de Belém, um pouco mais longe.
Artur José Pereira assistiu concerteza aos primeiros passos do primeiro grande clube de Belém, o Sport Lisboa, fundado em Fevereiro de 1904 na Farmácia Franco (na Rua de Belém). Como muitos dos primeiros treinos e jogos desenrolavam-se nas “Terras do Desembargador”, é fácil de adivinhar que Artur seria uma vez mais espectador assíduo e atento.
Ao longo de todo este tempo e com tanta paixão pelo futebol podemos deduzir que a frequência escolar de Artur José Pereira assumiu um papel secundário. Desconhecemos pormenores sobre a mesma, mas é sabido - e seria notado nos anos vindouros - que Artur José Pereira teve fraca instrução. Terá provavelmente ficado pelo equivalente a uma 5ª classe, que seria então o último ano de escolaridade obrigatória.
Jogador de futebol
Não sabemos exactamente com que idade é que Artur José Pereira passou a integrar equipas “oficiais” de futebol (nomeadamente 2ªs e 3ªs equipas, algo comum nesta época), mas existem algumas referências ao facto de em 1907/08 ser já um jogador destacado no recém-criado Sport União Belenense.
Quem depois reparou em Artur José Pereira, não sabemos (talvez todos!), mas o certo é que este se estreou pelo Sport Lisboa em 22 de Março de 1908 - ainda com 17 anos!
A sua entrada terá sido portanto posterior à “dissolução” do antigo Sport Lisboa (mantendo o nome devido à providencial inscrição no campeonato), e deu-se numa altura em que os dirigentes tinham mantido um plantel em competição com recurso à 2ª equipa. O acordo de Cosme Damião com um clube de Benfica surgiu pouco depois.
O certo é que Artur, mesmo recém chegado, desde logo expressou o seu receio de que o novo clube resultante, o Sport Lisboa e Benfica, iria perder assim a sua identidade como herdeiro do futebol de Belém e do orgulho das suas gentes - e que provavelmente seria mais conhecido como apenas sendo de Benfica. Mais, como sendo só “o Benfica” (e de facto assim foi). Esta circunstância revela o apego que Artur José Pereira mantinha em relação à sua terra, não por defesa “bairrista”, mas porque via injustiçado o tradicional apoio e o entusiasmo dos seus, os pioneiros do futebol do “povo”.
Ainda assim e em 1 de Setembro de 1908 Artur José Pereira lá estava na primeira equipa do Sport Lisboa e Benfica para disputar o campeonato seguinte, acompanhado de “vizinhos” de Belém como Henrique Costa ou Luís Vieira.
Logo em 15 de Setembro desse ano foi considerado o melhor jogador no histórico encontro em que pela primeira vez uma equipa de portugueses conseguiu um empate no campo dos ingleses do Carcavellos, até então sempre vitorioso no seu reduto e tendo acumulando goleadas expressivas. Basta dizer que na época anterior o resultado tinha sido 7-0!
Desde aí Artur José Pereira revelou-se como o melhor jogador de todos, autêntica “estrela” da equipa.
Na época de 1909/10 o Benfica conquistou o seu primeiro Campeonato de Lisboa (na altura ainda era a principal competição nacional), com Artur José Pereira em grande destaque. Um dos jogos foi novamente histórico, pois foram a equipa que venceu pela primeira vez o Carcavellos no seu reduto (0-1).
Em 1911 Artur José Pereira foi escolhido para integrar uma selecção da Associação de Futebol de Lisboa, que jogou e venceu os franceses do Stade Bordelais por 5 bolas a 1. Em 1913 essa mesma Selecção efectuou uma digressão pelo Brasil, sendo que Artur José Pereira - uma vez mais – era um dos escolhidos. Conta-se que a impressão que deixou Artur foi de tal forma que terá recebido inúmeros convites para ficar a jogar no Brasil (que recusou, claro). O seu comportamento cívico durante a digressão foi também considerado exemplar, sobretudo sabendo que era homem de pouca instrução e habitualmente pouco preocupado com as “etiquetas”.
A acompanhar esta digressão em missão oficiosa seguiu também uma grande figura dos primórdios do desporto em Portugal: Mário Duarte (pai), autêntico sportsman aveirense, ex-praticante de muitas modalidades. Segundo se viria a saber, ali travou conhecimento com Artur José Pereira, de quem ficou amigo e grande admirador. Desde então dizia sempre que Artur era o melhor e seria bom em qualquer equipa do mundo, como relataria o seu filho (também Mário Duarte) anos mais tarde.
Por esta altura Artur José Pereira era já um ídolo – e já não só em Lisboa. Segundo consta manteve durante algum tempo um emprego na Farmácia Franco em Belém (a mesma onde se fundou o Sport Lisboa), se bem que o trabalho em si, ao que parece, não era muito. Pedro Franco, o patrão e um dos dinamizadores do Sport Lisboa, nutria por Artur uma grande amizade e sobretudo uma grande admiração... como futebolista (não como empregado). Assim sendo consta que a maior parte do tempo de Artur - como empregado da Farmácia - passava por jogos de bilhar (numa loja próxima) e longas conversas sobre futebol... com o próprio patrão!
Uma mágoa e um sonho que nasce...
Apesar de tudo aquilo - e apesar de mais 3 campeonatos de Lisboa conquistados (épocas de 1911/12, 1912/13 e 1913/14) - a satisfação de Artur José Pereira por estar no Sport Lisboa e Benfica, ao que parece, não era muita. Sabemos que desde sempre guardou ressentimentos pelo progressivo corte da ligação a Belém. Também é sabido que Cosme Damião, figura máxima do SLB, pouco priveligiava essa ligação, já desde a saída do Sport Lisboa de Belém. Se isto foi motivo de atrito entre os dois homens, não sabemos ao certo, mas provavelmente sim.
O certo é que começaram a surgir problemas disciplinares com Artur José Pereira, apesar de este continuar a ser - incontestavelmente - o melhor jogador do SLB (conflitos de protagonismo?). Até que findo o campeonato de 1913/14, e mesmo com o SLB campeão, Artur José Pereira foi suspenso por 6 meses pelo Benfica, alegadamente por “recusar-se a treinar como qualquer outro jogador”.
Se foi uma gota de água ou caso isolado, o descontente Artur José Pereira acabou por ceder aos aliciantes do rival Sporting: protagonizou a primeira grande transferência e uma primeira vinculação quasi-profissional do futebol português. Foi para o Sporting auferir 36 escudos por mês. Isto sem contrato assinado, pois valiam a sua palavra e a de Francisco Stromp, “timoneiro” do Sporting – desde então seu amigo.
A excelência de Artur José Pereira não tardou em dar frutos, desta vez no Sporting. Logo na época seguinte (1914/1915) o Sporting conquistou o seu primeiro Campeonato de Lisboa.
Os próximos tempos não foram fáceis, tinha começado a 1ª Guerra Mundial, em que Portugal foi parte beligerante. Francisco Pereira, o irmão de Artur, foi recrutado para combater em Moçambique, tendo feito 2 anos de campanha na região do Niassa.
Em 1918 Artur conheceu Mário Duarte (filho), que aceitou o repto de um outro jogador para ir treinar ao Sporting. Contou mais tarde Mário Duarte que, como guarda-redes, nunca tivera oposição tão feroz, tal era a potência dos remates, sobretudo de Artur José Pereira, o “baluarte”. Este só dizia “Oh calmeirão [Mário Duarte tinha uma estatura bem cima da média], não ponha as mãos à frente, encaixe, encaixe!”.
Mário Duarte saíu do treino de mãos escaldadas e deveras impressionado. Já nos balneários foi interpelado por Artur José Pereira: “Você é alguma coisa ao Sr. Mario Duarte que foi conosco [Selecção da AFL] ao Brasil em 1913?”. “Sou o filho mais velho”, respondeu Mário Duarte. “Venha de lá um abraço!”, disse logo Artur, satisfeito com o encontro. Segundo Mário Duarte, foi a partir de aí que ficaram amigos.
Ainda nesse ano (1918) o irmão de Artur (Francisco) regressou de Moçambique, promovido a Sargento do Exército pelo seu distinto valor em combate. Incorporou-se novamente no Sport Lisboa e Benfica, apesar de o irmão estar no Sporting (para onde tinha ido precisamente quando começou a guerra). De qualquer forma a juntar à alegria pelo fim da guerra (generalizada por todo o País e pela Europa), a família Pereira tinha mais um motivo de orgulho.
Nessa época (1918/19) Artur José Pereira voltou a ser campeão de Lisboa com o Sporting. De facto ainda era dos melhores, mas faltava ainda cumprir aquilo que ele referia como seu “sonho”. Por palavras suas: “Somos todos de Belém, porque havemos de jogar pelos ‘outros’?”
Ou como referiu Mário Duarte anos mais tarde: “[Artur José Pereira] não queria abandonar o futebol sem deixar em Belém, berço de muitos dos melhores lisboetas (conhecidos por jogadores da praia!), um grupo digno e capaz de defender brilhantemente a sua terra que ele tanto estimava como depois tive ocasião de apreciar”.
O sonho que se faz real
Finda a época de 1919 Artur José Pereira decidiu lançar mãos à obra. De imediato deverá ter posto os seus amigos de Belém ao corrente, nomeadamente os que jogavam ainda no Sport Lisboa e Benfica. Amigos que provavelmente encontraria todos os dias em Belém, quiçá em frequentes “peladinhas” amigáveis na praia de Belém, ou também no incontornável Café Martinho, paragem obrigatória de Artur e muitos outros homens do futebol nas primeiras décadas do século (era aliás paragem obrigatória de grandes personalidades em geral já há mais de um século).
Consta que a maioria desses jogadores estariam nessa altura castigados pelo Sport Lisboa e Benfica, o que os motivou ainda mais para o idéia de Artur José Pereira.
Para poder sair do Sporting, porém, Artur José Pereira tinha uma dívida de cortesia e amizade para a figura máxima dos “leões”, Francisco Stromp, que o tinha acolhido extraordinariamente desde a sua saída do Benfica, em 1914. Conta-se que o acanhado Artur José Pereira não conseguiu reunir coragem para fazer o pedido de saída ao temperamental amigo, e como tal pediu o auxílio do capitão Jorge Vieira. Este, acedeu, algo contrafeito, recebendo depois a curiosa resposta de Stromp: “Ó Jorge, diz ao Artur que vá à merda e que funde o tal clube em Belém!”.
Mas, como rezam as crónicas, foi numa noite de Agosto desse ano (“sonho de uma noite de Verão”, como cita Acácio Rosa) que, num banco de jardim na Praça Afonso de Albuquerque, Artur José Pereira reuniu os primeiros entusiastas: o seu irmão Francisco Pereira, Henrique Costa, Carlos Sobral, Joaquim Dias, Júlio Teixeira Gomes, Manuel Veloso e Romualdo Bogalho. Todos eles eram jogadores de futebol.
Depois desse encontro a idéia do novo clube foi submetida ao juízo de Virgílio Paula e Francisco Reis Gonçalves, que demonstraram o seu entusiasmo e apoio à iniciativa de Artur José Pereira. Várias reuniões se sucederam, com mais intervenientes ainda, até que em 23 de Setembro (ainda em 1919) e também na Praça Afonso de Albuquerque, se decidiu a fundação do novo Clube: o Clube de Futebol “Os Belenenses”. O nome não deixava dúvidas: nascia um clube de futebol só de Belém!
Não há dúvidas que, apesar de se terem contemplado pouco tempo depois outras modalidades, o “sonho” de Artur José Pereira era acima de tudo um grande clube de futebol, que pudesse rivalizar e até superiorizar-se aos rivais Sporting e Benfica. Foi esse o desígnio do principal fundador do Clube.
Foi claro o papel de Artur José Pereira nos primeiros tempos no clube. Como jogador exímio mas homem de poucas palavras, sempre orientou a sua intervenção para os treinos e organização da equipa de futebol. O resto deixava para quem ele achava que mais entendia.
Esteve presente na primeira Assembleia Geral do Clube em 2 de Outubro – claro – onde pouco ou nada deliberou por sua conta, tal como um “principal fundador” poderia fazer. Rejeitava o protagonismo. Só houve um ponto em que Artur José Pereira foi de facto decisivo, mas uma vez mais só para demonstrar a sua modéstia: enquanto os outros lhe pretendiam atribuir o número 1 como sócio (dado que tinha sido o mentor incontestado do Clube), Artur insistiu para que essa honra fosse para Henrique Costa, pois este era o mais velho. E assim foi decidido. Como diria mais tarde Mário Duarte: “Até nisso o Artur era grande!”. Artur José Pereira ficou como sócio nº2...
E claro, não assumiu nenhum cargo directivo, muito menos o de presidente!
Como viria a contar Mário Duarte, a própria família Pereira deu um contributo especial para os primeiros tempos do Clube. Era na casa dos Pereira na Rua do Embaixador (onde ainda moravam Artur e Francisco) que os jogadores se equipavam, sempre com o carinho e solicitude da mãe de Artur José Pereira. Uma vez equipados desciam até à Rua de Belém, que depois atravessavam nesses peculiares trâmites até chegar ao Campo do Pau do Fio (na Rua Vieira Portuense): andando pelos passeios, concerteza e uma vez por outra cruzando-se com um eléctrico que passava... enfim, um cenário bastante “pitoresco” (a “carolice” no seu melhor).
A primeira equipa e os primeiros jogos oficiais
O primeiro treinador da equipa foi Henrique Costa.
Os dois primeiros jogos oficiais do Belenenses (na Taça “Associação”) saldaram-se em derrotas, mas de forma alguma foram decepcionantes. A equipa estava em fase de habituação e entrosamento, para mais nos primeiros treinos era rara a vez em que o plantel estava completo, faltava sempre e pelo menos um jogador - tal como assinalaria Mário Duarte anos mais tarde.
A prova de fogo viria já em 1920, com o início do 13º Campeonato de Lisboa (1919/20). E na série de grupos logo calhou o Benfica como adversário. O outro era o CIF.
O primeiro encontro (a 11 de Janeiro) trouxe a primeira vitória do Belenenses: frente ao difícil Internacional (o CIF) no campo deste, por três bolas a duas.
De seguida, em 25 de Janeiro, o primeiro grande embate, precisamente frente ao Benfica (o primeiro “clássico” entre estes emblemas), a disputar no Lumiar. O resultado do primeiro encontro entre estes clubes foi favorável ao Belenenses (2-1), que mostrava que estava ali para ficar... e lutar como um grande! Imaginamos a satisfação de Artur José Pereira e dos seus companheiros: o “sonho” tinha pernas para andar.
O Belenenses franqueou essa primeira fase em primeiro lugar, pois derrotou sem dificuldades o CIF no outro jogo por 8-0 - a primeira goleada do Clube, a 8 de Fevereiro - para além de um empate (3-3!) em casa do Benfica, a 14 de Fevereiro.
Sobre a goleada com o CIF (a 8 de Fevereiro), contaria depois Mário Duarte que a exibição de Artur José Pereira foi absolutamente fantástica: “o Artur José Pereira dos velhos tempos”, como referiu. Num episódio em particular, Artur “driblou” 3 adversários de seguida, um dos quais até escorregou e caiu no chão. Após este “drible tauromáquico”, Artur José Pereira parou a bola e pôs o pé em cima do adversário caído, exclamando para as bancadas “isto é que é joguinho!”. Sem perder muito mais tempo entregou depois a bola com a habitual precisão matemática a um dos seus avançados! Um “craque”!
Passada a 1ª fase vieram as meias-finais, disputadas entre os clubes apurados em campos neutros. Da 2ª série apuraram-se Belenenses (1º) e Benfica (2º). Da 1ª série apuraram-se Sporting (1º) e Vitória (de Setúbal, em 2º).
E para começar, a 18 de Abril, o primeiro Sporting-Belenenses (no Campo Grande). Venceram os “azuis” com um golo de... Artur José Pereira!
Em seguida o Belenenses conseguiu novo empate com o Benfica (1-1) e uma vitória frente ao Setúbal (4-1). E na sua primeira participação no Campeonato de Lisboa (ainda a principal competição de então), o Belenenses conseguia assim chegar à final!
A final era disputada em duas mãos, e aí o Belenenses perdeu por duas vezes com o Benfica: primeiro derrota em casa por 1-2 (30/5/1920) e depois derrota fora por 2-0 (6/6/1920).
Entretanto, Artur José Pereira continuava em grande forma: foi convocado para a 9º jogo entre “Selecções” Lisboa-Porto (ainda não existia Selecção Nacional), sendo assim o primeiro jogador do Belenenses a ser seleccionado. Na 10ª edição também foi convocado, desta vez contando com a companhia de Carlos Sobral e Francisco Pereira.
A ascensão dos “azuis” porém não agradava a todos, sendo frequentes os ataques da imprensa ao Clube e aos jogadores. Em Novembro de 1920 a revista “Football” publicou um artigo depreciativo para os de Belém, discriminado a condição social da maioria dos seus jogadores – como Artur José Pereira, humildes e de pouca instrução. O objectivo era desestabilizar o Belenenses, que então iria disputar a final da Taça “Associação” com o recém-criado Casa Pia Atlético Clube.
Porém as relações com o “vizinho” Casa Pia eram naturalmente as mais cordiais. Cândido de Oliveira, fundador do C.P.A.C. era um velho amigo de Belém e dos Belenenses. E a amizade era recíproca. Na época anterior as escolas do Casa Pia haviam treinado com alguns dos Belenenses sob a orientação do próprio Artur José Pereira, que assim se tornou em figura querida e admirada junto dos casapianos.
Quanto à final da Taça da AFL, o Casa Pia acabou por ser o vencedor e o Belenenses desde logo saudou com a maior alegria e entusiasmo os seus “vizinhos”. No final do jogo o próprio Artur José Pereira abraçou todos os adversários, multiplicando as felicitações.
Entretanto e em nova convocatória para jogo entre selecções de Lisboa e Porto (a 27 de Fevereiro de 1921), Artur José Pereira, Francisco Pereira, Alberto Rio e Eduardo Azevedo foram chamados.
Em 6 de Março de 1921 deu-se uma nova – se bem que risível – tentativa para desestabilizar os Belenenses e acabar com o “sonho” de Artur José Pereira. Tendo tido conhecimento de um jogo particular entre jogadores de Belém, o jornal “Sports” logo noticiou que o Clube se iria desmembrar em dois clubes rivais. O jogo mais não não tinha sido do que uma “peladinha” - em jeito de paródia - entre jogadores do Clube. Para mais tinha sido arbitrado pelo próprio Artur José Pereira!
Em 3 de Abril de 1921, por ocasião de novo Lisboa-Porto, Artur José Pereira e Francisco Pereira foram novamente titulares, com Alberto Rio a suplente.
Em 19 de Junho de 1921 o Belenenses conquistou o seu primeiro torneio - a Taça “Mutilados de Guerra” - derrotando o Sporting na final por 2-1.
O 2º aniversário do Clube, em Setembro de 1921, foi demonstrativo da uma imensa adesão popular ao Belenenses, o que fez calar durante algum tempo os detractores (preocupados com tantos potenciais leitores).
No âmbito do aniversário foi disputado mais um Belenenses-Casa Pia, encontro que terminou empatado a 2 bolas. Como curiosidade e provavelmente por indisponibilidade dos titulares, Artur José Pereira participou neste jogo como... guarda-redes!
O Belenenses nasceu já Grande... incómodo e perseguido
Ainda em 1921 surgiu um novo conflito "institucional". Em 17 de Novembro a União Portuguesa de Futebol (antecessora da Federação Portuguesa de Futebol) divulgou a lista de convocados para o que seria o primeiro jogo oficial de uma Selecção Nacional (também ela oficial). Nessa lista foram obviamente incluídos Artur José Pereira, o seu irmão Francisco Pereira e Alberto Rio, que continuavam a demonstrar pelo Belenenses os méritos reconhecidos já desde a sua carreira noutros clubes (como o Sport Lisboa e Benfica e o Sporting).
Foi então que alguns sectores - por certo afectos aos outros emblemas - levantaram então a polémica, objectando de forma desleal à convocatória de jogadores azuis. Como habitual, a voz desses elementos foi largamente difundida pelos meios de comunicação numa clara tentativa de – uma vez mais – manipular a opinião pública.
Quem não esteve para meias medidas foi o próprio Artur José Pereira, que perante tal vaga de hostilidade decidiu que nenhum dos jogadores do Belenenses responderia afirmativamente à chamada. O Belenenses fez então chegar ao secretário-geral da Associação de Futebol de Lisboa um carta (datada de 21 de Novembro) assinada pelos convocados e que incluía os seguintes termos (impregnados de ironia):
“Os signatários [...] vêm junto de V. Exª, muito respeitosamente, mas com o máximo empenho de que o seu pedido seja atentido, pedir escusa da referida nomeação. [...] Convencidos de que com a sua substituição o grupo nacional ficará seguramente melhor, e que com a sua abdicação, assim, de alguma maneira contribuirão para uma melhor representação do País no estrangeiro; de que a opinião pública ao tomar conhecimento desta resolução ficará mais tranquila, deixando portanto de ter apreensões a respeito do possível resultado do encontro Portugal-Espanha, [...] pedem a V. Exª para serem substituídos do grupo nacional, não desejando figurar sequer como reservas”.
Como veremos adiante, Artur José Pereira nunca mais teve sequer oportunidade de ser convocado para a Selecção Nacional...
A época de 1921/22 também não começou de forma fácil para o Belenenses. A Associação de Futebol de Lisboa resolveu criar duas divisões, “atirando” os clubes mais recentes – incluindo o Belenenses – para a 2ª Divisão.
Com o seu já habitual brio o Belenenses sagrou-se sem dificuldades o campeão dessa divisão. Em seguida deveria disputar o título com o vencedor da 1ª divisão. Foi assim que em 26 de Março de 1922 se encontraram (no Lumiar) Belenenses e Sporting para a final. A atmosfera não podia ser de maior euforia e também grande confraternização entre as côres adversárias. Antes de se iniciar o jogo, Artur José Pereira e Francisco Stromp, seu velho amigo, abraçaram-se. Porém o jogo foi bastante violento, sucedendo-se as faltas de ambos os lados. O Sporting venceu por 2-0 mas as decisões arbitrais em prejuízo do Belenenses foram consideradas como “bárbaras” pela imprensa da época.
Na sequência desse jogo a Associação de Futebol de Lisboa resolveu a 30 de Março suportar e acentuar as injustiças do juíz da partida, determinado a aplicação de diversos castigos, incluindo a suspensão de Artur José Pereira por 6 meses, por alegado “jogo violentíssimo”.
Tudo isto provocou simultaneamente revolta e desânimo entre os Belenenses, embora uma vez mais se erguessem para continuar, apesar de todas as (já velhas) tentativas para “afundar” o seu Clube. Quanto a Artur José Pereira, estamos em crer que estivesse bastante agastado com tudo isto, senão mesmo algo farto.
Aliás foi nesta altura que Artur José Pereira decidiu terminar a sua carreira como jogador. O polémico jogo com o Sporting foi o último jogo oficial do qual há registo da sua participação.
Apesar de tudo e em 18 de Maio de 1922 a AFL decidiu aplicar uma amnistia a todos os clubes e jogadores castigados. Porém a “despedida” de Artur José Pereira consumava-se: em Abril jogou dois jogos amigáveis em visita a Aveiro (como detalharemos adiante); em Junho desse ano não fazia parte do 11 titular que disputou a Taça do Jornal “O Século”; em Setembro jogou os dois encontros amigáveis que se disputaram em mais uma visita ao Porto (já era tradição anual!); mas para o campeonato de 1922/23 já não foi inscrito.
O fim de uma carreira, o início de outra - em ambas, um Mestre
Acabou assim a carreira de um jogador que para muitos foi considerado o melhor de todos.
Assim o destacou de entre todos os outros jogadores Ricardo Ornellas, grande estudioso e consagrado jornalista desportivo (também um dos principais mentores do aparecimento da Selecção Nacional) no seu livro “Números e Nomes do Futebol Português”. Nessa edição, onde se encontra uma fotografia da célebre digressão ao Brasil (em 1913) e ao chegar a vez de nomear Artur José Pereira acrescentou em exclusivo o seguinte epíteto: “o melhor jogador português de todos os tempos”.
Curiosamente - e infelizmente, diremos - Artur José Pereira nunca chegou a representar a Selecção Nacional, dado que o único jogo antes da sua retirada foi mesmo o Portugal-Espanha da polémica “anti-Belenense” (que já vimos atrás).
Tavares da Silva (também futuro Seleccionador Nacional e jornalista) foi outra grande personalidade que lhe elaborou inequívoco elogio: “Artur José Pereira nunca estudou o jogo pelos livros ou pelo ensino do treinador, conhecia o futebol como ninguém. Foi percursor do jogo moderno, adivinhando por intuição e por instinto tudo o que dizia respeito à táctica e execução”.
Da forma similar também se refere Cândido de Oliveira, já em Abril de 1945 em artigo publicado no jornal “A Bola” (do qual Cândido foi fundador). Este destaca e enumera as qualidades técnicas do jogador (e orientador-capitão): “[...] possuía qualidades em que nenhum outro jogador o igualou, a maior de todas definida pela atitude artística. [...] Era completíssimo, perfeitamente ambidextro e com potente remate com os dois pés; jogava primorosamente de cabeça; era um driblador estupendo e tudo isto valorizado por uma combatividade e uma coragem sem limites”. Mas foi mais longe ainda ao destacar, como Tavares da Silva, as qualidades como “cérebro” e organizador de jogo: “Foi um autêntico revolucionário do jogo, imaginando soluções, criando conceitos e sistemas que mais tarde haveriam de chegar até nós trazidos pelos técnicos e livros estrangeiros”.
Em suma, para além de qualidades técnicas indiviuais excepcionais, Artur José Pereira também foi muito longe (e muito antes de todos os outros) nas concepções tácticas do próprio jogo, algo que iria demonstrar nos anos seguintes como treinador. A título de exemplo, foi pioneiro – décadas antes de outros – na introdução de um novo sistema táctico já muito semelhante ao WM. Isto quando todos os outros, para além de se limitarem ao tradicional sistema em “pirâmide” (que se manteria em muitas equipas até à década de 40), não pensavam sequer que a implementação de um novo sistema poderia ser uma arma fundamental – priveligiando apenas o aperfeiçoamento das qualidade técnicas. E isto, uma vez mais, vindo de quem não lia ou estudava teorias sobre o jogo.
O talento de Artur José Pereira iria continuar, desta vez como treinador de todas as equipas de futebol do Clube, substituindo em determinado momento Henrique Costa para a equipa principal. Nesta circunstância, fez do Belenenses uma autêntica “fábrica de jogadores”. Do escalão mais jovem até à primeira equipa, Artur José Pereira acompanhava cuidadosamente a formação dos jogadores azuis, não tardando em levar muitos para a equipa principal, também eles como grandes jogadores. Cada vez que surgia um rapaz com notável talento era comum comentar-se “este tem o dedo do Artur”; “há ali mão do Artur”. De tal forma que no meio do futebol português Artur José Pereira passou a ser reconhecido para sempre como “Mestre Artur”.
Foi ele que descobriu o Pepe e Mariano Amaro, entre muitos outros, de entre os maiores jogadores da história do Belenenses e do futebol português. Relativamente ao primeiro, foi mesmo Artur José Pereira o responsável pela precoce mas gloriosa e famosa estreia (apesar de ciente e receoso da opinião da massa associativa, que ainda mal conhecia o pequeno génio).
Ainda assim, Acácio Rosa diria mais tarde que, mesmo como treinador, Artur José Pereira foi até ao final da sua carreira um executante sem par na própria equipa (mesmo contando com o dobro da idade de alguns deles!).
Pontualmente Artur José Pereira continuou a participar em jogos amigáveis, deslocando-se por vezes a diversas partes do país para tal. Ainda em Abril de 1922 Mário Duarte conseguiu a sua participação num jogo entre equipas de Aveiro, em que Artur José Pereira seria “reforço” de uma delas. Como conta Mário Duarte esta circunstância teve grande divulgação, havendo cartazes na cidade que anunciavam o jogo, referindo-se a Artur José Pereira como valendo por “meio team”!
Com Artur José Pereira como treinador das equipas de futebol os azuis ganharam quatro Campeonatos de Lisboa (1925/26, 1928/29, 1929/30 e 1931/32) e três Campeonatos de Portugal (1926/27, 1928/29 e 1932/33). Finalmente, um palmarés a condizer com o Grande Clube que sonhou. Para mais o Clube contava desde 1928 com um campo também à altura: as Salésias.
O afastamento
Passados alguns tempos em que apenas os títulos - e a valia dos jogadores formados - testemunharam a categoria do Mestre Artur, chegaria o triste ano de 1937.
Artur José Pereira adoeceu e a recomendação do médico (precisamente o Dr. Virgílio Paula, seu companheiro, amigo e também fundador do Belenenses) foi que deveria recolher-se o máximo possível no leito doméstico: terminou assim a carreira de Artur José Pereira como treinador. E o seu contacto directo com a vida do Clube foi sendo cada vez menor.
Perante esta situação – a retirada de Artur José Pereira - foi então que Reis Gonçalves, outro dirigente “lendário” desde a fundação do Clube, muito correcta e respeitosamente solicitou a Artur que designasse o seu sucessor (outros talvez não fizessem o mesmo).
Segundo os relatos, Artur José Pereira respondeu: “Falem com o Cândido. É o homem que nos convém nesta altura. E, acima de tudo, é nosso amigo.”. O “Cândido” era Cândido de Oliveira, já nesta altura um reputado jornalista, treinador conceituado e um teórico do futebol sem par. Também ele apaixonado pela Belém da sua juventude, tendo restaurado outra “herança” do futebol da zona com a fundação do Casa Pia (em 1920). E era, de facto, um grande amigo, personificando a velha amizade entre os dois emblemas de Belém.
O Engº Reis Gonçalves, cumprindo o desejo de Artur, foi então ao encontro de Cândido de Oliveira (no Café Nicola) - para lhe fazer a proposta. Este como primeira resposta indicou dois ou três outros nomes que pelo seu juízo dariam bons treinadores. Reis Gonçalves insistiu no desejo de Artur José Pereira. Cândido de Oliveira então serenamente respondeu que aceitaria, sim, treinar o Belenenses, mas a remuneração que lhe era prometida deveria ser entregue a Artur José Pereira. Se assim fosse, treinaria até de borla. Um grandioso gesto de amizade e respeito - como poucas vezes se viu.
É de referir que nessa altura (desde 1935) Cândido de Oliveira era também o Seleccionador Nacional (cargo que já tinha ocupado entre 1926 e 1929).
Cândido de Oliveira conduziu então o Belenenses até ao final da época de 1937/38, tendo assegurado o 3º lugar no Campeonato de Lisboa.
Depois disso Cândido de Oliveira teve de honrar justificadamente outros compromissos, pelo que o Belenenses solicitou então a Augusto Silva, o fiel e grande discípulo do Mestre (de quem tinha também o total aval), para que assumisse então o cargo. De igual forma este impôs uma condição fundamental: só aceitaria as funções se Artur José Pereira passasse a receber uma subvenção mensal e vitalícia por parte do Clube. E de facto, assim foi. Na Assembleia Geral de 18 de Agosto de 1938 foram aprovados os termos da proposta de Augusto Silva, que seria já o treinador na época seguinte.
O crepúsculo
Infelizmente o estado de saúde de Artur José Pereira agravou-se a cada ano que passava, havendo quem diga que o vício do álcool acelerou a sua degradação. Vivia já retirado numa modesta casa em Linda-a-Velha, subúrbio então ainda campestre (no meio de “terra e flores”, como se dizia).
Segundo consta ainda aproveitou essa circunstância para aperfeiçoar os seus dotes de caçador, sendo este o seu entretenimento principal.
Em 25 de Dezembro de 1942 os Belenenses resolveram fazer uma grande homenagem ao seu fundador, à qual não sabemos – mas duvidamos – que Artur José Pereira tenha assistido, dada a sua condição cada vez mais precária. Feliz iniciativa, seria uma última e justa recordação do Clube.
Volvidos pouco mais que 8 meses sobre aquela homenagem, mais concretamente na alvorada de 6 de Setembro de 1943, faleceu por fim Artur José Pereira.
Morreu na companhia da sua esposa e da sua sobrinha, na sua casa em Linda-a-Velha.
A doença fatal foi a tuberculose, que na altura ainda ceifava milhares de vidas em Portugal pela inexistência de tratamentos adequados (se fosse hoje...).
Dois dias depois (8 de Setembro) deu-se o enterro no Cemitério da Ajuda.
Em memória do seu justo “pai” o Clube instituíu por unanimidade da Assembleia Geral (7 de Março de 1945) que 6 de Setembro passaria a ser o “Dia da Saudade Belenenses”, dia em que todos os anos passaria a ser feita uma romagem ao túmulo de Artur José Pereira (ou no Domingo mais próximo), como assim se faz até aos nossos dias.
Cruel desencontro, o “seu” Belenenses haveria de vencer cerca de dois anos e meio após a sua morte a maior competição do País. Nessa equipa haveriam de brilhar alguns dos seus pupilos, entre os quais se destacou o grande Mariano Amaro.
Outra amarga ironia do destino, Artur José Pereira teria completado em 1944 os 25 anos de sócio (os mesmos que o seu clube). Praticamente todos os seus companheiros de fundação receberam a distinção, mas Artur já não... faltou o sócio nº2...
No decurso do ano de 2000, após o falecimento do grande Matateu, decidiu o Belenenses a construção de um Mausoléu no Cemitério da Ajuda onde passaram a repousar os restos mortais dos grandes símbolos do Clube: Pepe, Matateu e claro, Artur José Pereira. A estre ilustre trio se presta hoje homenagem a 23 de Setembro, data da fundação do Clube.
A Artur José Pereira foi atribuída a distinção de “Sócio de Mérito” na Assembleia Geral de 8 de Agosto de 1927. Foi o “Sócio de Mérito” nº 2, logo a seguir ao seu amigo Henrique Costa, que por imposição de Artur José Pereira era o sócio nº1.
Na Assembleia Geral de 18 de Agosto de 1940 Artur José Pereira foi distinguido como “Sócio Honorário”(com o nº 17).
Epílogo
Artur José Pereira foi um génio – o primeiro - antes do tempo. Aquele que foi considerado o melhor de todos os tempos por quem o viu jogar foi entretanto ensombrado – como outros, incluindo Pepe - pelo mágico poder dos meios audiovisuais, que permitiram anos depois ver e rever as proezas de futuros craques. Não existem sequer filmes que nos permitam vislumbrar ou comparar a grandeza de Artur José Pereira com a de outros.
Muitos continuaram a considerá-lo o maior mesmo depois da grande aparição de Pepe. Dos que viram Matateu, só muitos poucos e a custo se lembrariam de Artur José Pereira. Não é portanto fácil dizer que - mesmo no Belenenses - Artur tenha sido o melhor de todos. Porventura foi.
Mas uma coisa é certa, foi um dos melhores e foi o primeiro. Só isso basta para ser... O MAIOR.
Como resumiu de forma sublime Mário Duarte: “Que maior e melhor fundador poderia ter o nosso clube?”
Nota: texto inicialmente publicado na página do autor, posteriormente também publicado no Site Oficial do Clube
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